Muitas vezes perguntam-me sobre se não há capacitismo subtil ou discriminação positiva na atribuição de quotas de emprego para a comunidade de pessoas com deficiência.
É claro que preferiríamos um Mundo onde a promoção da diversidade fosse real e a inclusão emergisse de forma espontânea, mas se cá nevasse fazia-se cá ski.
Não aconteceu desde a Revolução Industrial e – lamento dizê-lo – não aconteceu nunca de forma espontânea nas últimas décadas.
Os argumentos repetem-se, sempre que falamos de assinalar ou pôr a descoberto as situações de assimetria e injustiça pelas quais são sujeitas, as pessoas que pertencem a grupos historicamente vulneráveis ou ostracizados.
É importante – sim! – assinalar-se o dia da mulher para pormos a nu as desigualdades que nós mulheres ainda vivemos, as questões da assimetria de direitos humanos que em tantos locais do Mundo nos hostilizam e desfavorecem. Aqui também, não se seja ingénuo.
O mesmo se passa com as políticas sociais que estão a tentar repor a justiça social junto de grupos vulneráveis que não partiram do mesmo ponto de partida, que têm de combater estigmas, preconceitos, a quem é exigido continuamente um esforço acrescido da adaptação a um meio que os hostiliza e não oferece condições e oportunidades de participação igualitária a todas as pessoas.
Enquadram-se aqui as políticas de emprego inclusivas, que tanta gente acredita serem supérfluas e que deviam ser desnecessárias porque é óbvio que temos de empregar as pessoas com deficiência. Só que não. Só que não.
Vão por mim: não aconteceu, não iria acontecer de outra forma e este é o momento de acelerar esse processo. Salve as quotas!
No outro dia, numa conferência da APPACDM a que assisti, ouvi o caríssimo Sr. Presidente do INR- Instituto Nacional para a Reabilitação- na posição ingrata de ter de se justificar acerca das quotas perante uma plateia composta por uma série de entidades empregadoras.
Apeteceu-me irromper pelo palco e pedir-lhe que não o fizesse e que – sim! – se sentasse na plateia e que devolvesse a questão, pedindo que quem ali tinha dúvidas sobre as mesmas se justificasse do porquê de, durante o último século, as boas vontades, as boas intenções, a humanidade e a sensibilidade (já não falo da responsabilidade social, porque o trabalho é um direito humano, não um favor e direitos humanos não se pedincham: cumprem-se!) não terem sido suficientes para emergir, de forma natural e sem necessidade de quotas, essa cultura de inclusão de que agora se queixam ser imposta pelas quotas.
As quotas de emprego para pessoas com deficiência não deveriam estar constantemente a ser defendidas e justificadas. Quem se deveria justificar e defender é a sociedade que, de outra forma, nunca foi capaz de olhar com seriedade e vontade de fazer acontecer as questões da igualdade e da inclusão socioprofissional desta comunidade.
E então eu acrescento sempre o mesmo: “as quotas de emprego para pessoas com deficiência são como os aparelhos nos dentes: geralmente não são lá muito bonitas à primeira vista, são até inestéticas, magoam, podem causar desconforto até nos habituarmos, mas que endireitam – oh diabo! – endireitam!”