Continuo sem notícias do Pico Ramelau
Literatura
Afonso de Melo

Continuo sem notícias do Pico Ramelau

De cada vez que o Telejornal fala de Timor, seja lá pelo que for, fico à espera que me falem também sobre o Pico Ramelau, há que tempos que não tenho notícias do Pico Ramelau, às tantas já toda a gente se esqueceu da importância que tinha o Pico Ramelau,   (o ponto mais alto de Portugal com dois mil novecentos e cinquenta metros de altitude),   como toda a gente parece ter esquecido os

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A vida suada do Baleia Assassina e do Capitão Fantástico
Literatura
Afonso de Melo

A vida suada do Baleia Assassina e do Capitão Fantástico

Chovia copiosamente naquela manhã de sábado em que o Baleia Assassina e o Capitão Fantástico tinham agendado para o Campo da Feira, em Benavente, o primeiro dos seus tão fenomenais como intermináveis combates até à morte. Havia quem, com ponta de malícia, os apelidasse de combates até à morte lenta, mas nós, nesse tempo, ainda não estávamos aptos para perceber as manigâncias enviesadas dos sentidos do humor.Na véspera, tínhamos ficado à espera numa curva da

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Não consigo dormir com o barulho dos indianos a reencarnar
Literatura
Afonso de Melo

Não consigo dormir com o barulho dos indianos a reencarnar

Na Índia há milhões e milhões de pessoas. Certas enciclopédias dizem que são 900 milhões de pessoas. Alguns atlas referem mil e trezentos milhões. Vê-se bem que nem as enciclopédias nem os atlas foram alguma vez à Índia. Na Índia há milhões e milhões e milhões e milhões e milhões de milhões de pessoas. Sei muito bem do que estou a falar: já fui muitas e muitas vezes à Índia. Talvez não um milhão de

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Os três deslizes de Gelsomina Guelgerógio, Infeliz mãe dos irmãos Caramassófe
Literatura
Afonso de Melo

Os três deslizes de Gelsomina Guelgerógio, Infeliz mãe dos irmãos Caramassófe

1. Gelsomina Duelgerógio, do lugar de Vale de Égua, freguesia do Préstimo, deu à luz dez filhos em duas séries de cinco. Isto é: Gelsomina Duelgerógio pariu cinco gémeos em Outubro de 1973 e outros tantos em Janeiro do ano seguinte.Pode parecer estranho que uma mulher conceba assim gémeos em tão grandes quantidades num tão curto espaço de tempo. Pode parecer e, se calhar, é mesmo.Mas tudo tem explicação. Mesmo em Vale de Égua, freguesia

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A morte tem sempre música de fundo
Literatura
Afonso de Melo

A morte tem sempre música de fundo

(breve elegia-reportagem sobre um letão chamado Sergei Zholtok)   Aposto que tem música de fundo. Aposto alto: singelo contra dobrado como nos livros do Texas Jack. Burt Bacharach: Casino Royale; Eso Es La Amistad; Promessas, Promessas com textos de New Simond; elevadores subindo e descendo e despejando pessoas a esmo nos foyers frios de hotéis lajeados; That’s What Friends Are For: Dionne Warwick, Elton John, Gladys Knight, Stevie Wonder, também eles subindo e descendo nos

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A monótona vida de Uóchinton Maria, a quem chamavam o Homem Porco
Literatura
Afonso de Melo

A monótona vida de Uóchinton Maria, a quem chamavam o Homem Porco

«Ergo-me ante o Sol que desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós…» Álvaro de Campos   1. Décimo segundo filho de uma numerosa prole de dezoito rapazes, não se pode dizer que Uóchinton Maria fosse um menino feliz. Desde cedo lhe foi detectada uma tendência indómita para a contemplação. Os olhos grandes, esbugalhados, fixavam-se facilmente em qualquer objecto, por mais desinteressante que fosse. O Dr. Aníbal Chimbica, do lugar de Oronhe, freguesia

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Os Ciúmes Assassinos do Doutor Jivago
Cinema e Audiovisual
Afonso de Melo

Os Ciúmes Assassinos do Doutor Jivago

Desconfio que o ciúme é um sentimento adolescente. Comecei a desconfiar quando percebi que nunca me passou pela cabeça ter ciúmes da Michelle Pfeiffer e que os meus sentimentos já amadureceram muito desde os primórdios da Debra Winger, apesar de ainda ter ficado absolutamente convencido de que aquele sorriso estonteante de felicidade da Gwyneth Paltrow na Paixão de Shakespeare – This is a new world!, era dedicado em exclusivo ao estonteado senhor do assento G18

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Fragmentos do Diário de Rui Teixeira
Literatura
Afonso de Melo

O Cão ao Contrário

Talvez seja altura de deixar os mortos irem à sua vida Em Águeda todos têm alcunhas. O Ingle, por exemplo. Vive há quase trinta anos em França mas chamam-lhe Ingle porque a primeira vez que emigrou foi para Inglaterra. Em Águeda, as alcunhas são como as pastilhas elásticas que, derretidas pelo calor do Verão, ficam coladas às solas dos sapatos. Ou como o alcatrão que, na praia, ficava agarrado às plantas dos  pés, mas faz

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Pai
Literatura
Afonso de Melo

Pai

Entorno-me, torturo-me, afogo-me em ternura. O peito dói-me como se tivesse um torno a apertar-me as costelas, as mãos tremem-me e não sei o que fazer com elas. E agora, pai? Onde vou pousar todo este carinho, todo este amor que, de tempos a tempos, me esqueci de quão grande ele era? Diz-me, pai Afonso. Tu que me ensinaste sempre tudo e tinhas respostas prontas para as perguntas mais difíceis, estás tão profundamente calado. Nunca

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Continuo sem notícias do Pico Ramelau

Continuo sem notícias do Pico Ramelau

De cada vez que o Telejornal fala de Timor, seja lá pelo que for, fico à espera que me falem também sobre o Pico Ramelau, há que tempos que não tenho notícias do Pico Ramelau, às tantas já toda a gente se esqueceu da importância que tinha o Pico Ramelau,

A vida suada do Baleia Assassina e do Capitão Fantástico

A vida suada do Baleia Assassina e do Capitão Fantástico

Chovia copiosamente naquela manhã de sábado em que o Baleia Assassina e o Capitão Fantástico tinham agendado para o Campo da Feira, em Benavente, o primeiro dos seus tão fenomenais como intermináveis combates até à morte. Havia quem, com ponta de malícia, os apelidasse de combates até à morte lenta,

Não consigo dormir com o barulho dos indianos a reencarnar

Não consigo dormir com o barulho dos indianos a reencarnar

Na Índia há milhões e milhões de pessoas. Certas enciclopédias dizem que são 900 milhões de pessoas. Alguns atlas referem mil e trezentos milhões. Vê-se bem que nem as enciclopédias nem os atlas foram alguma vez à Índia. Na Índia há milhões e milhões e milhões e milhões e milhões

A morte tem sempre música de fundo

A morte tem sempre música de fundo

(breve elegia-reportagem sobre um letão chamado Sergei Zholtok)   Aposto que tem música de fundo. Aposto alto: singelo contra dobrado como nos livros do Texas Jack. Burt Bacharach: Casino Royale; Eso Es La Amistad; Promessas, Promessas com textos de New Simond; elevadores subindo e descendo e despejando pessoas a esmo

A monótona vida de Uóchinton Maria, a quem chamavam o Homem Porco

A monótona vida de Uóchinton Maria, a quem chamavam o Homem Porco

«Ergo-me ante o Sol que desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós…» Álvaro de Campos   1. Décimo segundo filho de uma numerosa prole de dezoito rapazes, não se pode dizer que Uóchinton Maria fosse um menino feliz. Desde cedo lhe foi detectada uma tendência indómita para

Os Ciúmes Assassinos do Doutor Jivago

Os Ciúmes Assassinos do Doutor Jivago

Desconfio que o ciúme é um sentimento adolescente. Comecei a desconfiar quando percebi que nunca me passou pela cabeça ter ciúmes da Michelle Pfeiffer e que os meus sentimentos já amadureceram muito desde os primórdios da Debra Winger, apesar de ainda ter ficado absolutamente convencido de que aquele sorriso estonteante

Fragmentos do Diário de Rui Teixeira

O Cão ao Contrário

Talvez seja altura de deixar os mortos irem à sua vida Em Águeda todos têm alcunhas. O Ingle, por exemplo. Vive há quase trinta anos em França mas chamam-lhe Ingle porque a primeira vez que emigrou foi para Inglaterra. Em Águeda, as alcunhas são como as pastilhas elásticas que, derretidas

Pai

Pai

Entorno-me, torturo-me, afogo-me em ternura. O peito dói-me como se tivesse um torno a apertar-me as costelas, as mãos tremem-me e não sei o que fazer com elas. E agora, pai? Onde vou pousar todo este carinho, todo este amor que, de tempos a tempos, me esqueci de quão grande