Tinha-me prometido dar folga, e deixar de aborrecer, os leitores da Almanaque com mais textos sobre os processos geológicos que afetam e modificam diariamente o volume de terra que se encontra debaixo dos nossos pés. Mas é novembro, a vida acontece, tem estado particularmente quente, as ideias transformam-se, e aqui estou eu a olhar novamente para baixo.
A verdade é que o nosso querido planeta pode ser tão dinâmico debaixo da pequena casca que pisamos (a crusta continental tem espessura que varia entre os 25 e os 75 km) como o é à sua superfície. As últimas semanas de Novembro foram bastante profícuas em ambos os domínios. À superfície, em Portugal, na subsuperfície em latitudes mais elevadas ao longo da Crista Média-Atlântica (CMA). A CMA é uma cadeia montanhosa que rasga a superfície do fundo do Oceano Atlântico entre as latitudes 96º Norte e 54º Sul. É uma estrutura geológica caracterizada por falhas transformantes profundas e um vale que se prolonga ao longo do seu eixo, de Sul a Norte, um rifte. A CMA atravessa, e está na origem, do arquipélago dos Açores e corresponde também aos limites de várias placas tectónicas, separando a Placa Norte Americana da Placa Euroasiática no Atlântico Norte, e a Placa Sul-americana da Placa Africana na Junção Tripla dos Açores.
Este enquadramento é importante para compreender os fenómenos dinâmicos que ocorrem no, impronunciável, vulcão Fagradalsfjall, localizado a sul da cidade, também ela impronunciável, Grindavík na Islândia. Um vulcão que esteve em repouso durante 800 anos, que deu um ar de si em 2021 e que regressou para nos brindar no final de 2023. Como se tivesse sido um ano fácil, mas adiante. Os fenómenos a que assistimos nessas semanas são, do ponto de vista da dinâmica da Terra, excecionais. A possibilidade de poder assistir ao desenvolvimento destes processos em tempo real, com o conhecimento atual e com a quantidade de sensores que recolhem uma enorme quantidade de dados é uma sorte e contribuirá seguramente para um conhecimento mais aprofundado de fenómenos deste tipo. De forma simples, há magma a ascender do manto terrestre através de falhas profundas, a instalação de intrusões magmáticas que provocam o adelgaçamento da crusta e magma que eventualmente irá chegar à superfície da Terra em forma de lava através de um vulcão. Tudo isto acompanhado de muitos sismos de magnitude variável.
Apesar dos avanços científicos, e mesmo com a panaceia que é a inteligência artificial para modelar qualquer tipo de dados, a previsão sobre a evolução espaciotemporal destes fenómenos é incerta, se não mesmo impossível, e um risco para qualquer tomada de decisão. A avaliação e quantificação do risco, e a consequente tomada de decisão quando incide sobre fenómenos naturais complexos é difícil, principalmente quando existem vidas em jogo. Por outro lado, ter instituições nacionais preparadas para modelar, compreender e responder a este tipo de evento natural não exige sorte, mas preparação.
Pelas suas características geológicas e tectónicas, devíamos, aqui no nosso retângulo à beira-mar, olhar para os exemplos mais a norte e copiar aquilo que são as boas práticas. Entre um Laboratório Nacional de Energia e Geologia em fase terminal, com um nível de financiamento abaixo do subfinanciamento crónico das instituições nacionais (desde que me lembro que assim é) e a monitorização da ocorrência de sismos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, não existe um instituto, ou laboratório nacional, que se dedique ao estudo aprofundado da geologia da subsuperfície. Sem este tipo de infraestrutura, a modelação e caraterização da subsuperfície, que permite por exemplo avaliar o risco de fenómenos extremos naturais, mas que está também intrinsecamente relacionada com os desafios da transição energética, é residual e depende de esforços de unidades de investigação isoladas que não têm a dimensão necessária para fazer cumprir esta missão. A preparação prévia é a chave para garantir a segurança e minimizar o risco das populações potencialmente afetadas por fenómenos geológicos como os que acontecem atualmente na Islândia.
Por ser novembro, é um bom momento para recordar o sismo de 1755 que terá acontecido no primeiro dia do mês. O sismo de 1755 teve origem no Oceano Atlântico a sudoeste do Cabo de Sagres e arrasou Lisboa em dois momentos diferentes. Numa primeira fase, pela intensidade com que a terra tremeu, são estimadas magnitudes entre 8,5 e 9 na famosa escala de Richter, e numa segunda pela onda gigante, um tsunami, gerada pela libertação de energia durante o sismo. Ainda há semanas havia nas redes sociais quem se queixasse da nova sinalética sobre o risco de tsunami instalada nas ruas de Lisboa. A falta de literacia sobre as geociências é um problema grave. Para o leitor curioso que queira saber mais sobre o sismo de 1755, e como isto anda tudo ligado, nada melhor que a leitura do fascinante O Pequeno Livro Do Grande Terramoto (Rui Tavares, edição Tinta da China). A edição de bolso continua disponível e é uma delícia. Quem se quiser deslocar a Lisboa recomenda-se ainda a visita ao Museu do Terramoto de Lisboa.