Carta XX – O Tabu
Aspectos positivos: Aposta na cordialidade; protecção de visados; preservação da harmonia.
Aspectos negativos: Manutenção do statu quo; ocultação; pode provocar ressentimento; dissimulação; peca por omissão.
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Quais os tabus que persistem, agora que já vimos tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo?
Ainda há sete palavras que não podem ser ditas na TV americana? Eu só me lembro de uma.
As mulheres já podem envelhecer? E a Barbie?
Podemos revelar pensamentos inconfessáveis?
Humoristas adeptos do punch down dirão que hoje em dia não se pode dizer nada, que se ofende logo alguém ou toda uma geração, mas bater mais no ceguinho (ai, no ceguinho não!), parodiar os desfavorecidos, as minorias e os oprimidos, talvez não seja ainda assim tão reprovável, ou não continuaria a ser feito depois de séculos de abuso.
Roubar? Mentir? Está visto que não, pois até elege presidentes nas maiores potências mundiais.
Matar recolhe apoios de diversas nações e reúne cadeiras para melhor assistir ao espectáculo. Dessensibilizados, desviamos o olhar de mais centenas de mortes diárias, distantes mas televisionadas.
Então, o que não podemos ousar?
– Criticar Israel para que não nos acusem de anti-semitismo e arrisquemos ser bloqueados nas redes sociais ou despedidos no emprego?
– Denunciar a própria mãe, ainda que perniciosa ou narcisista (porque nos coloca em causa/questiona o nosso valor?)?
– Deixar de acobertar o filho anti-social?
– Queixarmo-nos de um parceiro neurodivergente, ainda que nos infernize a vida (porque não queremos ser capacitistas?)?
– Queixarmo-nos das agruras da parentalidade, maioritariamente as mães, porque “mãe é mãe” e toda a tralha que “ser mãe e mulher” comporta (e, estatisticamente, quem geralmente dá de frosques são os pais)?
– Denunciar aqueles de quem dependemos (porque não se morde a mão que nos alimenta?)?
Ou ainda assim arriscamos?
Não se pode correr o risco de magoar aqueles que nos amam?
Não; não se pode correr o risco de magoar aqueles que amamos.