Unexplainable, Lia Ferreira

Unexplainable

Uma orca faz o luto? Um animal — não humano — pode sofrer de dor emocional pela morte de um dos seus? As perguntas podem parecer descabidas, mas nos finais de julho e inícios de agosto de 2018 esta questão foi mesmo colocada com todas as letras. O assunto foi notícia quando junto à costa sudoeste do Canadá uma orca fêmea adulta — conhecida pelos biólogos marinhos como J-35 — foi avistada a transportar o cadáver da sua cria recém-nascida por mais de 1500 quilómetros durante um período que se estima ter sido de dezassete dias.

Podemos alargar o universo da questão: será que os animais de estimação — nomeadamente aqueles cães que ficam dias, semanas, deitados junto às sepulturas dos recém-falecidos donos — fazem o luto?

Este tema (“Os animais fazem o luto?”) é um dos mais recentemente abordados no podcast Unexplainable, o programa de Ciência da Vox Media (que referi, muito en passant, no texto acerca do podcast Everything Is Alive).

A premissa do programa é… simples: será que uma pergunta tem resposta?

Bom… bem vistas as coisas (ou, neste caso, bem ouvidas as coisas), se calhar a premissa não é assim tão simples, mas a intenção, sim, é simples: tentar encontrar respostas para as perguntas que surgem quando menos esperamos, sobre qualquer coisa que, de repente, nos apercebemos que não entendemos. E isso é simples porque tentar não custa; tal como perguntar não ofende. Por isso, o que a equipa de Unexplainable faz é tentar encontrar respostas a perguntas que surgiram acerca de coisas que não entendem (e que muito provavelmente nós também não).

É assim que semanalmente (à quarta-feira) nos deparamos na nossa app de podcasts com títulos como “Porque é que sonhamos?”, “Plantas com olhos?”, “Como Vénus foi para o inferno”, “Porque é que choramos?”, “Árvores falantes”, “Como ressuscitar um mamute”, “Porquê os soluços?”, “A telepatia é real?”…

O programa nasceu em março de 2021 como spin-off do podcast diário da Vox Media, Today Explained e menos de um ano depois, nos inícios de fevereiro de 2022,mesmo a tempo do Dia de São Valentim, a equipa já estava confiante ao ponto de se lançar  na busca de respostas à pergunta “O que é o Amor?”

Vai daí, foram perguntar aos cientistas o que é isso da “química” (que não é a de laboratório, mas que até pode envolver substâncias produzidas pelo próprio corpo humano) e se será possível, cientificamente, prever se (ou como) duas pessoas vão sentir atração.

Sim, eu sei; pensar nisso dessa forma tão… “x+y=z” provavelmente “estraga” o prazer do processo de descobrirmos por nós próprios, mas não deixa de ser um tema interessantíssimo.

Tal como o tema do amor, a equipa de Unexplainable também não receou abordar questões como se a definição de morte está a mudar, se os humanos estão a ficar sem esperma, se é mesmo possível falar com fantasmas e o que é que isso diz sobre como experienciamos o mundo, e — já agora — também abordaram o tema do significado da “vida”.

Este último foi o último de três episódios de uma minissérie a que deram o título geral de “Origins” (“Origens”), sobre como a Terra obteve a água que possibilitou a origem de vida no planeta, sobre qual terá sido a primeira “coisa viva” da Terra e, lá está, sobre o que é isso da “vida” e qual o significado que lhe podemos dar no “dicionário” da nossa existência no Universo.

De resto, de vez em quando, Unexplainable publica estas minisséries de episódios que permitem explorar (ou seja, fazer mais perguntas sobre) temas intrincados que claramente não se esgotam em cerca de meia hora de podcast. Foi assim com a já referida série de episódios relativa às origens do planeta Terra, foi assim com a série (titulada “Expecting”) relacionada com inusitadas questões sobre a gravidez, também com todo o mês de junho de 2022 a ser dedicado a “Lost Worlds” e a possíveis “mortes” (de planetas, de outros corpos celestes, de possíveis vidas em Marte e até de possíveis seres inteligentes na Terra antes da espécie humana) que deram lugar a nova(s) “vida(s)” no Sistema Solar.

O melhor de Unexplainable — na minha opinião (e concedo que este possa ser exatamente o maior argumento para que outra pessoa não goste deste programa) — é o facto de muitas vezes (quase sempre, aliás) as respostas às perguntas feitas não serem definitivas. Seja porque algumas das respostas dão origem a mais perguntas, seja pelo facto de (ainda) não haver respostas cabais para as questões levantadas, a sensação com que mais vezes fico no final dos episódios que escuto é a de que nós, seres humanos, por muito espertos, inteligentes, engenhosos e curiosos que sejamos, sabemos muito pouco e que, por isso, quase tudo o que nos rodeia está (ainda) por descobrir.

E isso não é mau. Bem pelo contrário.

Na verdade, aprende-se imenso com Unexplainable, mas é ao escutar (e aprender com) o programa que o nome do podcast mostra que não é só eficaz como chamariz de eventuais ouvidos curiosos; é acima de tudo premonitório e na mouche.

O objetivo do programa — escrevi-o acima — não é encontrar respostas, mas sim «tentar encontrar respostas» para perguntas e temas que, em última instância, podem ser inexplicáveis; pelo menos, agora; a evolução da Ciência ditará se se confirma aquilo que a História recorrentemente nos ensina — muito daquilo que não sabíamos “ontem” já sabemos “hoje” e aquilo que não sabemos “hoje” poderemos vir a saber “amanhã”.

É por isso que o programa pode apelar a quem se interessa por temas de Ciência — e também pode afastar pessoas que se interessem por respostas e ensinamentos da Ciência, mais do que por cientistas que admitem não saber explicar algo que lhes é perguntado.

É essa ignorância permanente que move os cientistas — digo eu, que não sou cientista, que nem sou da área de Ciência, e que admiro a interminável busca dos cientistas por respostas a novas perguntas todos os dias, para bem de todos nós.

Acredito que não deva ser fácil, nem agradável, a uma pessoa da Ciência (seja um cientistas, ou até quem tem por missão fazer comunicação de Ciência) dizer «não sei». Para mim, é refrescante ouvir essas palavras vindas de quem mais sabe de Ciência, porque tenho a certeza de que esse sentimento de insatisfação será como que energia extra para alimentar a busca por respostas melhores.

Unexplainable explica (ou, melhor, ajuda a entender) muitas coisas — imensas coisas! — de forma interessante, com bom humor e uma linguagem bem equilibrada entre o cientificamente correto e o humanamente inteligível. Mas também não hesita em “encolher os ombros” sempre que se justifica, sempre que não há todas as respostas para todas as perguntas. Aliás, sempre que há novas respostas para perguntas feitas (e não respondidas) em episódios anteriores, há novos episódios sobre esses mesmos temas, com as devidas atualizações.

Ainda sobre a forma como o programa “entrega” a mensagem, destaco a criatividade da sonoplastia que dá ao ouvinte pequenos pormenores de complemento ao storytelling de cada episódio e alerto quem sinta interesse em experimentar o podcast que todos os episódios merecem ser ouvidos mesmo até ao fim, porque não raras vezes — em jeito de Easter Eggs —, na ficha técnica, são deixados pequenos recados e elogios entre colegas e são criadas pequenas histórias para membros (reais e imaginários) da equipa.

Em conclusão, só posso dizer que oiço o podcast Unexplainable desde o início, em 2021, e que tentei aqui explicar da melhor forma porquê. Se, aí desse lado, me perguntar mais sobre este assunto, é possível que eu encolha os ombros e responda «não sei»… agora. Mas daqui a algum tempo já poderei saber mais e ter respostas melhores.

É saudável reconhecer que não sabemos tudo.
É o primeiro passo para tentarmos saber mais.
__

Unexplainable é um programa da Vox Media, cuja equipa inclui Noam Hassenfeld, Byrd Pinkerton, Meradith Hoddinott, Mandy Nguyen, Cristian Ayala, e Brian Resnick. Disponível gratuitamente em todas as plataformas de audição de podcasts, pode ser ouvido também no website da Vox Media.

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