“Tragédia é eu fazer um corte no meu dedo. Comédia é quando tu cais num esgoto a céu aberto e morres.”
Estas palavras foram proferidas, a propósito, por Melvin James Kaminsky, um judeu com raízes polacas (em Danzig, a região que foi usada como pretexto pela Alemanha nazi para dar início às hostilidades que levaram à II Guerra Mundial) e ucranianas, nascido no Brooklyn, a 28 de Junho de 1926, em cima da mesa da cozinha do minúsculo apartamento onde viviam os pais.
O seu nome talvez não diga grande coisa aos leitores. Já Mel Brooks, o nome artístico que adoptou quando fazia stand up no lendário Borscht Belt (um conjunto de clubes nas Catskill Mountains, que aceitava comediantes e públicos judeus, que por lá tradicionalmente passavam férias), será por certo mais reconhecível.
Bastava referir que é detentor de um EGOT, uma espécie de Grand Slam das artes performativas americanas e não só, tendo ganhado Emmys (tv) Grammys (música) Oscars (cinema) e Tonys (teatro), para ficarmos com uma ideia da sua importância e da influência da sua carreira que, iniciada em 1947, permanece, ainda hoje, activa, quando nos aproximamos do seu primeiro centenário.
E digo primeiro centenário porque, até prova em contrário, Mel Brooks é imortal.
A vida de Mel Brooks daria vários filmes e livros e foi isso que fez. A sua mais recente autobiografia, publicada em fins de 2021, All about me, conta inúmeras histórias dos bastidores do show business, algumas já contadas em entrevistas de fundo, como por exemplo a feita por Conan O’Brien.
Comecemos então pelo princípio. Se não é de ciência feita que muitos comediantes chegam à comédia via trauma, Mel Brooks é o exemplo perfeito da tese.
Ele próprio o afirmou, muita da sua comédia era enraizada em sentimentos como fúria e hostilidade. Não lhe faltavam razões para isso: perdeu o pai, de 34 anos, quando tinha apenas 2 anos e, sendo fraco e de estatura diminuta, percebeu rapidamente que só o humor o podia deixar a salvo de bullies ou, como ele mais prosaicamente dizia, o impedia de levar uns murros na cara, durante a infância e adolescência.
Aos 9 anos, a figura paternal de Brooks era Joe, o seu tio materno, um taxista que levava os porteiros da Broadway de borla para Brooklyn ao final da noite. Em troca, eles davam-lhe bilhetes para assistir aos espectáculos. Ao ver Anything Goes, com Ethel Merman, Mel Brooks tinha descoberto a sua vocação: o show business.
Começou por se tornar músico, baterista, ensinado nada menos que por Buddy Rich, e aos 14 anos já trabalhava num clube de segunda onde conheceu um génio da comédia burlesca, Sid Caesar, então com 18 anos e ganhando a vida como saxofonista, com quem viria a fazer história da comédia e da televisão.
Enquanto continuava os estudos, Mel Brooks acabou por ser um dos muitos americanos da sua geração a ser alistado e a combater na II Guerra Mundial.
Conheceu as agruras da frente de batalha (a sua companhia, entre outras missões, procedeu à desminagem da Alemanha nazi), e encontrou na música o refúgio que lhe permitia isolar-se e manter a sanidade, no meio do horror que o rodeava e do medo permanente da morte.
Morte, que ele viria a classificar como o mais terrível dos inimigos, ainda pior que os odiados soldados nazis.
Mas mesmo no meio de tudo isso, Mel Brooks encontrava espaço para ter piada. À propaganda nazi, que transmitia música pelos altifalantes do seu lado das trincheiras, ele correspondia cantando ao megafone o velho êxito “Toot, tootsie goodbye”.
Depois do fim da guerra, Brooks, entretanto promovido a cabo, manteve-se por uns tempos ao serviço da unidade de entretenimento do Exército, de onde viria a sair em 1946.
Contra as expectativas da família, regressa ao circuito do Borscht Belt, ganhando a vida como baterista e pianista.
Cumprindo a máxima de um futuro colega, Woody Allen, que um dia terá dito que “80% do sucesso está em apareceres”, Mel Brooks aproveitou a falta de um comediante, que literalmente caíra por um buraco que alguém deixara por tapar, para tomar o seu lugar. Mel, aos 14, fazia de procurador do MP. Nervoso, deixou cair um copo no chão. Perante o silêncio, avançou para a boca de cena e disse: “Tenho 14 anos, do que é que estavam à espera?”. A gargalhada é geral, Brooks tinha dado início a uma das suas especialidades, quebrar a quarta parede.
O humor de Brooks era, já então, profundamente ligado às suas raízes judaicas. De tal modo que, durante muitos anos, ele acreditara que todo o humor era judeu. Os gentios ou não o compreendiam, ou não eram capazes de o produzir. Era um humor capaz de extrair gargalhadas da pior das situações, um instrumento de resistência e identidade, em muitos casos, historicamente, a única arma de combate à disposição do mais fraco contra o opressor, contra a autoridade. Era, como Conan O’Brien disse e bem, anárquico e incansável, como era o dos Irmãos Marx.
O humor, considerado um género pouco sério e relevante, era também muitas vezes relegado para segundo plano pela maioria WASP. Não é à toa que quase todos os grandes mestres da comédia nos EUA provêm de minorias ou de classes tratadas como minorias. A comunidade judaica em primeiro lugar, seguida da negra e bastante depois por outras etnias. E a entrada em número significativo de mulheres no mundo da comédia é relativamente recente, mesmo com honrosas excepções. O mesmo se pode dizer das comunidades LGBTQI+A, durante demasiado tempo apenas alvo de piadas e não produtoras das mesmas, pelo menos assumidamente.
Historicamente, nos EUA, as minorias discriminadas tinham dois elevadores sociais à disposição, o entretenimento e o desporto. Hoje será menos assim, mas ainda é verdadeiro, sobretudo para a comunidade afro-americana.
Voltemos ao humor judaico. Ele era de facto uma fonte de resistência. O que levou a que fosse esmagado nalguns lugares e fez com que um dia, Robin Williams, num talk-show alemão, tivesse proferido, para constrangimento geral, uma resposta mortal à pergunta: “Porque é que a comédia é tão pouco desenvolvida na Alemanha?”.
Williams retorquiu: “Talvez seja porque mataram todas as pessoas com graça.”
As raízes judaicas e o facto de ser veterano da II Guerra Mundial serão a caução moral que permitiu, anos mais tarde, a Mel Brooks escrever e realizar The Producers. Lá chegaremos, prometo.
Os anos 50 estão a começar. Sid Caesar, um sucesso na Broadway, é convidado a criar um especial de hora e meia, em directo, na televisão, esse meio que viria a tornar-se o mais popular e bem-sucedido do século que se lhe seguiu, nas suas várias formas.
Sid Caesar criou o formato do programa de sketches. Literalmente. As regras do género iam sendo criadas programa a programa. Se é certo que houve evolução, muitas delas permanecem ainda hoje. Caesar teve a sagacidade de contratar uma equipa absolutamente genial de escritores, mas quase tão importante quanto isso foi o facto de perceber que estava perante um novo meio tecnológico e que tinha de usar as suas potencialidades. Por exemplo, o poder dividir o écran, mesmo em directo, permitia que duas ou mais acções decorressem aos olhos do espectador, em casa, ao mesmo tempo. Isto abria n possibilidades à imaginação, por exemplo em conversas telefónicas, criação de suspense, de punchlines completamente diferentes do habitual. Gravado num teatro, Caesar insistiu que as imagens do que estava a ir para o ar fossem projectadas em telas gigantes. Isso permitia o uso de grandes planos de modo a que as pessoas na plateia se rissem, proporcionando uma representação mais “televisiva” que “teatral”.
Mel Brooks tentou juntar-se ao grupo liderado pelo seu conhecido de outras andanças no Borscht Belt e para quem, sem que a produção soubesse, escrevera piadas para The Admiral Broadway Review, uma revista da Broadway, transmitida por tv, protagonizada por Caesar, que antecedeu o Your Show of Shows e foi cancelada por ser excessivamente bem-sucedida: o aumento de encomendas tinha sido tão grande que o patrocinador cancelou o programa para conseguir dar vazão às mesmas.
Caeser tirava 40 dólares do seu bolso para ter Brooks a trabalhar para ele, com a desculpa de que ele precisava de 45 para viver.
Quando tentaram fazer o mesmo no Your Show of Shows, os seguranças do estúdio tornaram-se o principal entrave. Todos os dias Brooks aparecia, com piadas escritas, pedia para ser recebido por Caesar, que jurava conhecer e todos os dias era arrastado, literalmente, para fora das instalações.
Felizmente, num desses dias, Sid Caesar estava à janela a fumar, reconheceu-o e mandou-o subir.
O writers room do Your Show of Shows e mais tarde do Caesar’s Hour (Writers room, provavelmente outra invenção que deve ser creditada a Sid Caesar) mais parece o elenco de uma antologia. Carl Reiner, que se tornaria o melhor amigo de Mel Brooks e criaria a sitcom no seu formato clássico com o Dick Van Dyke Show, bem como realizaria clássicos da comédia em cinema, como o The Jerk, Neil Simon, um dos mais prolíferos e bem-sucedidos escritores de comédia para teatro e cinema, autor do The Odd Couple, Woody Allen, Larry Gelbart entre outros, liderados pelo head writer Mel Tolkin. Surpreendentemente, ou não, o programa era mesmo revolucionário, havia duas escritoras entre todos estes homens, a comediante Selma Diamond e Lucille Kallen. E apenas um não judeu, Tony Webster.
Segundo os próprios, todos se complementavam, em estilo e feitios. Brooks era um performer que representava as próprias ideias, já Neil Simon ficava calado, sentado ao lado de Carl Reiner a quem fazia ao ouvido uma sugestão, que este depois repetia para Caesar que perambulava de um lado para o outro. Os que melhor dactilografavam, e davam menos erros ortográficos, iam apanhando as ideias no ar e passando-as para o papel… normalmente colocando números de páginas errados para que Caesar pensasse que estavam mais adiantados.
O desgaste era enorme. Partiam do zero todas as segundas-feiras, 39 semanas por ano e tinham de ter o guião fechado até quarta-feira. Até à emissão do programa aos sábados à noite, havia os ensaios, de actores, cantores e orquestra (as músicas eram muitas vezes originais e compostas para a ocasião) bem como a construção de cenários e figurinos. Boa parte das ideias eram originárias do que tivessem visto no dia de folga. Tudo podia servir de inspiração. Mas havia algo que se tornou fundamental na filmografia de Brooks: as versões cómicas dos grandes êxitos do cinema. Por exemplo: From here to Obscurity, A Streetcar named???? ou Aggravation Boulevard.
O programa era captado em multicâmaras e eram 90 minutos sem rede, pois o teleponto ainda não tinha sido inventado, ou sequer o uso de cartões. Qualquer desvio do texto podia levar a que números tivessem de ser cortados, ou, pior, que ficasse o programa curto e os actores sem nada para fazer ou dizer ao vivo.
Os escritores praticamente viviam no estúdio, sujeitos ainda ao temperamento irascível de Caesar, que sendo genial era também dono de uma força sobre-humana, que deixo ilustrada em três pequenos episódios:
Um dia, Sid insatisfeito com um sketch começou a carregar a secretária e o escritor nela sentado de um lado para o outro da sala. Noutra ocasião, Mel Brooks, após ter anunciado que ia apanhar ar, foi pendurado por Sid do lado de fora da janela, seguro pelos fundilhos das calças, enquanto Sid lhe perguntava se o ar estava suficientemente fresco para ele.
Finalmente, numa discussão com um taxista, Sid perguntou-lhe se ele se lembrava do próprio nascimento. Perante a resposta negativa, Sid declarou “que ele ia sentir tudo de novo”, e arrancou o homem do seu lugar através da janela.
Um sucesso instantâneo, também e muito graças ao elenco principal, constituído por Sid Caesar e Imogene Coca, que se tornou tão popular que deixaria o programa para ter o seu programa a solo, Carl Reiner, Howard Morris e Bill Hayes, o Your Show of Shows não só criou um formato que ainda hoje é a matriz de programas como o Saturday Night Live, como também definiu, embrionariamente, através do casal Hickenloopers, personagens recorrentes protagonizadas por Caesar e Coca, as bases da sitcom americana, que veremos mais tarde nos Honeymooners e mesmo no All in the family, por exemplo.
Foi também nessas reuniões de guionistas que Mel Brooks criou a sua personagem mais duradoura e que o acompanharia, com a preciosa colaboração de Carl Reiner até ao falecimento do segundo, em 2020, tendo os dois formado seguramente a dupla de comédia com maior longevidade de sempre.
O Homem com 2000 anos tinha, como o nome indica, nascido há 2000 mil anos, e assistido à morte de Cristo, “um acontecimento terrível, nem sequer consegui comer o meu doce favorito, arroz doce, ao jantar”, bem como a todos os outros grandes e pequenos acontecimentos da história, consoante o improviso de Brooks respondesse às perguntas também improvisadas de Reiner, que fazia de repórter na entrevista.
O que começou como uma inside joke, para descontrair os próprios e divertir os colegas, transformou-se num must em festas para que eram convidados.
Quando George Burns, o lendário comediante, lhes perguntou se já tinham aquilo em álbum, e a resposta foi negativa, ele retorquiu: “Ponham em álbum ou eu vou roubá-lo”. Edward G. Robinson disse-lhes que adaptassem aquilo para uma peça “O Homem com mil anos”. Reiner e Brooks reiteraram que a personagem tinha 2000 anos. Robinson respondeu que podia representar qualquer idade. Tinham descoberto ouro.
O Homem com 2000 anos tornou-se presença assídua no Steve Allen Show (que se transformaria ao longo dos anos no Tonight Show, ainda hoje no ar), foi especial de comédia, apresentado em espectáculos ao vivo e até teve uma versão em desenhos animados. As várias versões em disco ofereceram aos dois Grammys na categoria de melhor álbum de comédia.
O Homem com 2000 anos combinava, com rara maestria, um humor erudito com inúmeras referências históricas, com aquilo que poderia ser considerado, por muitos, básico, e até infantil, dos trocadilhos a punchlines, típicos de anedotas populares. Eram gloriosos disparates, improvisados, numa cadência louca em que Carl Reiner se confirmava como um dos melhores straight men da história da comédia, resistindo à barragem anárquica de Brooks sem se desmanchar e conseguindo dar sempre sequência com uma nova pergunta. Não poucas vezes, era ele a surpreender Brooks, lembrando-se de perguntar algo não combinado. Encurralada, a mente cómica de Brooks respondia sempre, como se tudo estivesse guionado.
Nas gravações do primeiro álbum, falaram ininterruptamente durante 2 horas e 46 minutos, dos quais usaram 43.
A influência destes discos nos humoristas americanos é tão intensa que, por exemplo, Paul Reiser (Mad About You) os descreve como a Pedra de Rosetta do Humor americano.
Depois de trabalhar em televisão, Brooks decidiu ser freelancer. Era um choque, especialmente financeiro. Quando trabalhava para Caesar, chegou a ganhar 5 mil dólares por semana, agora como freelancer regressara aos 85. As dificuldades financeiras foram um dos factores que levaram ao fim do primeiro casamento com Florence Baum, com quem teve três filhos. Brooks escreveria uma peça sobre o assunto, não muito subtilmente intitulada Marriage is a dirty rotten fraud.
Em 1960, rumou a Hollywood. Mal pôde, empregou-se num dos maiores estúdios onde assistiu logo no primeiro dia a algo que o impressionou: um colega estava a ser despedido e Brooks percebeu o quão periclitante e cruel era o show business: num momento eras alguém importante, um guionista renomado, com gabinete próprio, o nome na porta; no outro, estavas a carregar os teus bens pessoais num caixote, enquanto apagavam o teu nome na porta e te mandavam sair. Era esse, aliás, o sinal de que tinhas sido despedido – tirarem-te o nome da porta.
Mel Brooks fez a única coisa que lhe pareceu lógica: à noite, às escondidas dos seguranças, apagou e trocou todos os nomes de todas as portas do edifício.
No dia seguinte, o estúdio tinha um dos maiores caos nos seus Recursos Humanos de que há memória. Toda a gente pensava que tinha sido despedida, promovida ou despromovida.
Mel Brooks foi apanhado e salvo do cadafalso profissional por um produtor que conseguiu explicar ao dono do estúdio, Harry Cohn, que ele era o tipo de louco de que precisavam. Cohn, famosamente, terá dito que não queria despedir Mel, queria matá-lo.
E ainda hoje Mel Brooks recorda que Cohn conhecia pessoas para o fazerem.
Ainda em televisão, já nos anos sessenta, Brooks criou, com Buck Henry, Get Smart, uma sátira implacável à saga James Bond e aos filmes de espionagem da altura. A série rompia com os formatos de sitcom prevalentes na televisão da altura e com o seu falso “realismo” que propunha apenas enredos e situações convencionais, resolvidas com meras variações do mesmo mote.
Com a interpretação brilhante de Don Adams no papel do agente 86 da agência CONTROL, o menos inteligente e mais desastrado espião de sempre (a sua catch phrase era: “missed by that much” e as suas tentativas de enganar a organização KAOS sempre que era interrogado, nas frequentes vezes em que se deixava capturar, era “Would you believe if I told you”, seguido dos mais diferentes disparates, pronunciados com um deadpan notável), a série recebeu 7 Emmys, dois por ser a melhor comédia, no espaço de 5 anos em que foi emitida e manteve-se popular ao longo de décadas, um pouco por todo o mundo. Viria a ter um reboot em 2008, protagonizado por Steve Carrell, Anne Hathaway, Alan Arkin, Dwayne Johnson, Terence Stamp, entre outros, num elenco de luxo e que apesar de não ser brilhante foi, ainda assim, lucrativo, com o filme a fazer quase 240 milhões de dólares nas bilheteiras.
Entre estes programas de televisão e espectáculos da Broadway, Brooks aproximava-se do auge do sucesso na sua carreira.
Ao mesmo tempo, a sua vida pessoal singrava. Tinha casado em 1964, pela segunda e última vez, com a talentosa e belíssima Anne Bancroft, que protagonizaria a lendária Mrs. Robinson. A técnica de romance de Mel Brooks foi simples, eficaz (estiveram casados até ao falecimento dela, em 2005) e provavelmente daria direito a providências cautelares nos dias de hoje. Segundo o próprio, desde que a viu nunca mais a largou. Estava sempre onde ela estava, ia sempre, coincidentemente, para o lugar onde ela iria a seguir. Onde não podia entrar, esperava que ela saísse, quando ela entrava em casa estavam lá as flores que ele tinha mandado entregar. Por mais improvável que parecesse a todos, resultou.
Brooks estava obcecado por fazer um musical sobre Hitler. Acreditava e acredita, ainda hoje, que a única maneira de lidar com a personagem Hitler, contra o Mal que representa, é pela via do humor e da ridicularização da mesma. Tal como o rapaz da história do Rei vai Nu, Mel Brooks queria pôr a nu as fraquezas e assim esvaziar o poder do ícone. “Quando te ris não tens medo.”
Ninguém queria produzir tal coisa.
Brooks pensou em escrever então um romance sobre o tema, mas acabou por criar o guião de The Producers com o qual convenceu dois produtores independentes a produzi-lo, com baixo orçamento e a distribuí-lo como filme de arte em cinemas seleccionados.
A ideia de The Producers é simplesmente genial. Um produtor aldrabão da Broadway, que financia os seus espectáculos através de um esquema de Ponzi em que extorque dinheiro a velhinhas carentes dos seus favores sexuais (interpretado pelo magnífico Zero Mostel), é confrontado pelo seu neurótico e ingénuo contabilista (interpretado pelo actor que seria o grande parceiro cinematográfico de Brooks, Gene Wilder), cujo sonho é ser produtor na Broadway. A única maneira de se livrar da falência iminente é criarem um espectáculo tão mau e impopular que tenha um prejuízo tão grande que todos os que tivessem investido nele tivessem de dar todo o seu dinheiro por perdido.
Mas que espectáculo poderia ser tão ultrajante, tão gigantesca e irreversivelmente mau? Entra em cena um dramaturgo nazi, fã de Hitler, combatente na guerra que escreveu um singelo musical chamado Springtime for Hitler. Perfeito. Mas para não deixar as coisas ao acaso, os produtores contratam ainda o pior director da Broadway para o encenar e, após um rigoroso casting, o pior Hitler possível. Os ensaios são terríveis, o elenco droga-se, é o caos.
Na noite da estreia, enquanto os produtores celebram a sua ruína, um volte-face inesperado dá cabo dos seus planos: a peça, supostamente um drama, é hilariante e um sucesso irreprimível.
Brooks tem aqui no seu primeiro filme, considerado por muitos a sua obra-prima, expostos os temas que perpassam a sua carreira e vida: o confronto entre personagens que simbolizam o Id e o Ego, o humor subversivo, a abordagem de interditos como brincar com o nazismo, a crítica ao show business, o uso de uma plataforma estilística, no caso o musical da Broadway, para funcionar como o género do filme, a inspiração e pilhagem das referências desse género específico.
Há ainda uma questão, pouco abordada: é o produtor que é visto como o grande vigarista, que seduz um pobre e ingénuo contabilista, com a ajuda da sua secretária sueca, Inge, que mal fala inglês, para este o ajudar. Mas é o contabilista quem o ensina a burlar todos, com o seu ar de santo.
Apesar das críticas violentas de quem achava que o filme brincava com o inominável, sobretudo em circuitos religiosos judaicos, trivializando o que não era trivializável, The Producers tornou-se um sucesso de culto, primeiro nos circuitos universitários, depois em poucas salas de cinema.
Mel Brooks, respeitando quem achava o filme inaceitável, tinha por detrás dele as credenciais que a sua herança judaica e a sua participação na guerra lhe proporcionavam e manteve-se sempre firme na tese de que era através da caricatura e do ridículo que o mal podia ser combatido.
Foi Peter Sellers um dos primeiros a topar com o génio da coisa. Entusiasmado, pagou anúncios de página inteira em vários jornais americanos recomendando o filme. Apesar das poucas receitas, pouco mais de um milhão de dólares, The Producers estava lançado e Mel Brooks ganhou, nesse ano, o Oscar para o melhor argumento original, que lhe foi entregue por Frank Sinatra e Don Rickles. A concorrência? Entre outros, Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke por 2001: Odisseia no Espaço, e John Cassavettes, Faces.
Springtime for Hitler tornou-se uma canção eterna.
O filme foi adaptado para um musical da Broadway e acabou por ganhar 12 Tony awards e viria a ter uma versão moderna, novamente em filme, desta vez com Nathan Lane e Mathew Broderick, que também o protagonizavam na Broadway.
Com o pouco dinheiro ganho, Brooks lançou-se a fazer uma versão cómica de um romance russo (os paralelos dele com os filmes cómicos de Woody Allen, que faria mais ou menos por essa altura o Nem Guerra Nem Paz, inspirado em Tolstoi, são frequentes) a que deu o título de The Twelve Chairs. Um fracasso de público e de crítica fez com que Brooks pensasse que a sua carreira tinha terminado..
Nada mais falso.
Passados uns anos, Brooks é contratado para fazer de script doctor de uma comédia ao género western e acaba por se tornar realizador da mesma. Contrata para a equipa um homem que está no Mount Rushmore de todos os stand-up comedians, e que tinha criado um dos programas de sketches mais brilhantes da altura: Richard Pryor.
Blazing Saddles era um filme sobre o racismo na América, sobretudo contra os negros. Outro tema tabu. Brooks queria Pryor como protagonista. O estúdio recusou-se. O historial de Pryor com álcool e drogas e os incidentes causados pelo abuso de substâncias (Pryor chegou a imolar-se pelo fogo, tendo saído a correr em chamas pelo meio da rua do seu bairro residencial, sendo salvo in extremis) tinham-no tornado um risco que as seguradoras de filmes se recusavam a tomar. E sem seguro não havia financiamento e, por consequência, filme..
Brooks perdeu a batalha, mas conseguiu manter Pryor como guionista, substituindo-o por Cleavon Little como protagonista. O resultado foi verdadeiramente explosivo. A primeira versão do guião voltou completamente rasurada pelos censores do estúdio, praticamente só se podiam usar os nomes das personagens. Foi produzido um memorando de 8 páginas, só com as palavras que tinham de ser retiradas do filme. Se isso fosse feito, o filme teria cerca de 10 minutos. Brooks começou a usar uma técnica familiar a todos os que lidam com a censura de textos cómicos, escrever coisas inadmissíveis que não queria no filme, para depois as outras, as essenciais, passarem incólumes. Outro truque era exibir aos censores o filme sem todos os efeitos sonoros e, a mais ousada de todas: esquecer-se que tinha prometido aos censores cortar a cena do filme, o que provavelmente terá salvo a cena do acampamento.
O guião tinha homenagens a variadíssimos clichés do western: O xerife que chega para limpar a cidade, os poderes corruptos do progresso, que ameaçam destruir a vida tradicional, o pistoleiro alcoólico, Gene Wilder no seu melhor, a fazer de Waco Kid, uma clara homenagem/caricatura às personagens de Robert Mitchum e Dean Martin, nos filmes gémeos de Howard Hawks, El Dorado e Rio Bravo, a típica cena dos cowboys a comerem feijões e beberem café à noite em torno de uma fogueira, dominada por Slim Pickens (um veterano actor secundário que entrava em praticamente todos os westerns e que todos reconhecem da cena final de Dr. Strangelove, cavalgando uma bomba nuclear). Não podia faltar o interesse romântico do herói, protagonizado por aquela que se tornaria a grande musa cinematográfica de Brooks, a absolutamente hilariante e sedutora Madeleine Kahn, inspirada em Marlene Dietrich, como a cantora do saloon que se apaixona pelo xerife. Ou por parte dele.
Todos os elementos do western clássico são virados do avesso. O xerife é negro e ao chegar à cidade é vítima de uma tentativa de linchamento por uma população exuberantemente racista.
E como tal incrivelmente estúpida: ele salva-se apontando uma arma à própria cabeça e tomando-se a si próprio como refém.
Mel Brooks não só fez um filme anti-racista, como o fez batendo o recorde mundial do uso da expressão “nigger” só anos mais tarde batido por Tarantino, justificando-o com o ser assim que os brancos tratavam os negros e expondo claramente a imbecilidade desses mesmos brancos.
De caminho, o filme acabou de dinamitar com os seus excessos de linguagem os últimos resquícios do Código Hayes e levou para o cinema, numa das cenas mais excessivas de sempre, o uso da libertação de gases pelos autores da famosa cena da feijoada com café, com a simples justificação de que aquilo era o que aconteceria a quem só comesse feijoada e café.
Às críticas respondia Mel Brooks: “Não há um lar na América em que a meio da noite não se oiça “Sorry Dear”. O seu amigo Carl Reiner, em seu auxílio, dizia “tenho amigos meus que só se casaram para poderem fazer isso legalmente”.
Depois de desfazer todos os lugares-comuns do género, usar palavras proibidas e introduzir a mais desbragada escatologia, que viria a fazer escola, usada com bem menos bom gosto, Brooks termina o filme de um modo que só tem um equivalente: o final do Monthy Python and the Holy Grail em que a polícia intervém e prende as personagens.
Em Blazing Saddles, uma cena de pancadaria no saloon, típica de um western, vai num crescendo de proporções épicas até quebrar a quarta parede e invadir o estúdio do lado envolvendo na refrega os artistas e músicos que faziam um número de dança Busby Berkeliano. O combate vai alastrando aos outros estúdios e filmes e finalmente à cafetaria.
Provavelmente convencido de que não voltaria a filmar, Mel Brooks destruía Hollywood.
Enganou-se, Blazing Saddles foi um êxito retumbante, o maior da sua carreira e o segundo filme mais visto desse ano. Foi nomeado para três Oscars e tem sido reconhecido como uma das obras mais marcantes da comédia americana.
Aproveitando o balanço, Brooks começou a trabalhar com Gene Wilder num argumento a partir de uma ideia do segundo. Young Frankenstein também rodado em 1974 tornou-se o terceiro filme mais visto do ano.
Não sem Brooks e Wilder passarem as passas do Algarve, explicando aos produtores que o filme, uma sátira aos primeiros filmes sobre o Monstro de Frankenstein, só fazia sentido a preto e branco. Os produtores contrapunham que um filme a preto e branco seria um fracasso absoluto.
Young Frankenstein está, a meu ver, entre as 10 melhores comédias em filme de sempre, com toda a subjectividade que um juízo desses sempre acarreta. A verdade é que é um filme sem falhas, servido por um elenco superlativo, resultado de um casting excepcional, funcionando como um ensemble tão entrosado como hilariante, todos os actores no apogeu dos seus poderes e, mais importante, perfeitamente encaixados nas suas personagens. Gene Wilder consegue alternar as crises maníacas e depressivas do seu jovem Frankenstein, em luta contra a reputação da família. O mordomo da mesma, obviamente Igor, é representado pelo britânico Martin Feldman, cujos olhos protuberantes e expressão facial e corporal faziam dele um comediante físico demolidor, Terri Garr, como a jovem e ingénua assistente do novo doutor Frankenstein, dizia as coisas mais extraordinárias com a maior das canduras. A governanta, a genial Cloris Leachman, rouba todas as cenas em que entra, e Madeline Khan é a noiva despeitada, uma dondoca operática que, rejeitada pelo jovem Frankenstein, se apaixona pelo seu monstro, interpretado com um rigor absoluto por Peter Doyle. E como se isto não bastasse, num pequeno cameo, um quase irreconhecível Gene Hackman faz de cego. Desafio o mais empedernido a não dar uma gargalhada na cena em que ele recebe, sem o saber, o monstro em sua casa.
O filme sintetiza o melhor da comédia de Brooks: criamos verdadeira empatia com as personagens, os gags, mesmo os brilhantes, estão ao serviço da narrativa, há momentos de alta e baixa comédia, frequentemente em simultâneo e, ao mesmo tempo, não deixam de ser abordados os temas subjacentes ao original: o que é ser-se humano, os limites da ciência, o modo de funcionamento de uma multidão, o hábito humano de destruir aquilo de que se tem medo ou do que é diferente e não se conforma. Junta a isso um rigor formal, da fotografia à direcção de arte, passando pela música (a quem Brooks, originariamente músico, dava sempre enorme importância), absolutamente irrepreensível.
Brooks usava todos os seus sucessos para alavancar o que quisesse fazer a seguir. Se, comprovadamente, os produtores tinham estado errados em relação ao uso da cor em comédia, ele iria mais longe. E decidiu realizar um filme mudo chamado Silent movie, em 1976.
Durante todo o filme só se ouve uma deixa: “Non”. Ela é dita por Marcel Marceau, o actor e mimo francês, que nunca falava nos seus próprios filmes.
Uma coisa que eu gostaria de um dia perguntar a Brooks é se fez o filme só para poder fazer essa piada. Se havia alguém capaz disso era ele.
A obsessão de rigor na sátira aos géneros cinematográficos que levara, por exemplo, à escolha da fotografia a preto e branco e da utilização dos sets originais em Young Frankenstein permaneceu uma constante na carreira de Brooks. Por exemplo, em High Anxiety, o spoof aos filmes de suspense hitchcockianos, em particular Vertigo, Mel Brooks decidiu ir beber a inspiração à fonte.
Deu-se então um almoço tão épico como lendário, em que à solha com legumes de Brooks, Hitchcock terá correspondido com o pedido de um cocktail de camarão, com oito camarões gigantes, segundo Brooks, para entrada, seguido de um bife do lombo, meio termo, acompanhado de espargos, batata assada com molho de natas azedas. À sobremesa, um gelado, duas bolas, regado com molho de chocolate, topping de nozes. Hitchcock bebeu então um expresso, e retirou de um estojo um amplo charuto, certamente tão ilegal quanto cubano. Cortou a ponta com uma pequena guilhotina e apercebeu-se de que não tinha lume. Um empregado, pressuroso, surgiu do nada com o lume. Hitchcock olhou para ele, recusou o lume e comentou para Brooks e para o empregado. “I feel a little bit peckish. Do it again. “Sinto um bocadinho de larica. Sirva-me outra vez.”
Para espanto de Brooks, Hitch repete toda a refeição, menos a sobremesa. É já fumando o seu habano que comenta: “Melvin, you only live once”, inventando inadvertidamente o famoso YOLO.
Hitchcock não só não tinha reservas em deixar que Brooks usasse o seu legado para fazer filmes humorísticos (o sentido de humor de Hitchcock permeia todos os seus filmes), e séries a que deu o nome, nem que seja só nos seus pequenos cameos, como deu inclusive sugestões para gags.
O preferido de Brooks, que infelizmente, digo eu, não utilizou, era muito simples: o herói era freneticamente perseguido pela cidade pelos maus da fita. A fuga leva-o a um cais. Desesperado, num derradeiro esforço hercúleo, o herói corre até um dos extremos do cais e salta para uma embarcação, batendo um qualquer recorde de salto em comprimento e aterrando na popa do barco. Tipicamente, os vilões não o seguem, ficando na ponta do molhe, olhando ferozmente para o herói, que sorri, até se aperceber de que o barco para onde saltou está a atracar, recuando em direcção ao cais.
Hitchcock assistiu ao filme na companhia de Brooks, sem um sorriso, uma gargalhada, ou um mero comentário. Mel ficou convencido de que ele detestava o filme. Até que no dia seguinte recebeu uma caixa de vinho francês acompanhada por uma nota que dizia: “Não precisa de ficar ansioso. Com os melhores cumprimentos, Hitch”.
Por esta altura, Brooks estreou uma série de tv When things were rotten em que gozava com o mito de Robin dos Bosques e que foi cancelada passados apenas 13 episódios.
Não conformado, Mel Brooks viria a recuperar boa parte dos gags para o filme Robin Hood – Men in thights que, não sendo brilhante, tem a importância de ser a estreia em cinema daquele que é considerado por muitos o melhor comediante de stand up deste século, se não de sempre, Dave Chapelle.
Nenhum género estava a salvo e não faltou muito para que Brooks fizesse a sua adaptação de uma space opera estreando Spaceballs.
Por esta altura, não faltavam filmes que à la Brooks satirizassem grandes sucessos e géneros cinematográficos. Para o bem e para o mal, ele tinha provado a sua viabilidade.
Finalmente, embora por ordem não cronológica, falemos de um dos seus filmes com ligação ao presente: History of the World, Part I.
Estreado em 1981, é um conjunto de sketches abarcando vários períodos históricos, desde os tempos das cavernas à Revolução Francesa, narrado por Orson Welles que estabelece as pontes entre cada acontecimento. Pode ser visto como o equivalente, para a história da humanidade, de The Meaning of Life, para a vida humana, dos Monty Python. O resultado é desigual de quadro para quadro, mas Brooks brilha como Moisés, deixando cair uma das três pedras com os Mandamentos, reduzindo-os a 10 e sendo por isso responsável pelo estado a que o mundo chegou. Será também um stand-up philosopher, na fila de desemprego, na Roma Antiga e como o último dos Luíses, reis de França, com uma frase que virou um dos memes mais populares hoje em dia “It’s good to be the king!”, mas que não correu muito bem ao monarca.
Em que é que isso se liga aos dias de hoje? Foi anunciada para 2023 a estreia de History of the World, Part II, com um elenco absolutamente notável. Trata-se de um evento televisivo, quatro dias em Março, para assistirmos a um híbrido entre cinema e televisão, estruturado como sequência de sketches.
Infelizmente já não contará com a tonitruante e irresistível voz de Welles para ligar a narrativa.
Welles, que Brooks contratara pela nada módica quantia, na altura, de 25 mil dólares por 5 sessões, das 9 às 17 horas. Welles conseguiu fazer a narração em menos de uma hora e meia, na primeira sessão. Perguntou a Mel se o resultado era bom, ou se precisava de alterações. Estava simplesmente perfeito, segundo Brooks, que não resistiu a perguntar-lhe o que é que ele iria fazer com tanto dinheiro e tanto tempo livre. Orson Welles respondeu: Charutos cubanos e caviar Sevruga, segundo Welles mais barato que o famoso Beluga e igualmente saboroso. Com um suspiro, acrescentou que, noutros tempos, teria juntado mulheres à lista, mas sentia-se demasiado pesado para esses feitos atléticos.
Este “evento”, History of the World Part II é uma das mais longínquas sequelas do original e o culminar do regresso à proeminência e ao reconhecimento de Mel Brooks.
Não que andasse inactivo, pois continuou a realizar filmes no princípio do novo milénio, e a participar em sitcoms (o seu tio Phill, em Mad About You, é simplesmente delirante), e a publicar livros, fazer vozes em animações, etc.
Mas foi Jerry Seinfeld, no seu Comedians in Cars Getting Coffee que o apresentou, bem como a Carl Reiner a uma nova geração. Todas as noites, os dois amigos visitavam-se e assistiam juntos a um filme, enquanto jantavam, normalmente canja. A lucidez e a velocidade de pensamento dos dois nonagenários eram encantadoras e deslumbrantes. Relançaram o homem do Ano 2000, fizeram uma digressão. Carl viria a falecer em 2020, aos 98 anos e Brooks redobrou a sua actividade, escrevendo a autobiografia All About Me, que lançaria em finais de 2021, passando o ano seguinte em digressão a dar entrevistas promovendo o livro e agora o filme, demonstrando sempre uma vitalidade irreprimível.
Mel Brooks é, a par de Woody Allen, o mais prolífero realizador norte-americano de comédias. Se Allen tinha a preferência do sector intelectual e o seu cinema era considerado elitista, pelo menos até às acusações feitas à sua conduta causarem finalmente mossa, Brooks era apreciado/criticado por ser mais básico, escatológico até. E, no entanto, havia mais a uni-los do que a separá-los: eram dois judeus, de Nova Iorque, autodidactas, que começaram a fazer stand up, trabalharam juntos para Sid Caesar e fizeram comédias a satirizar géneros cinematográficos, como actores e realizadores.
Atrevo-me a dizer que, no seu estilo mais abrangente, por comparação às comédias mais pessoais de Allen, que sempre foram tidas, apesar de ele as negar enquanto tal, como sendo autobiográficas, Brooks acaba por ser o mais influente dos dois no panorama da comédia americana.
Para não ser fastidioso, aos EGOT ganhos e às inúmeras nomeações para os mesmos, Mel foi acumulando nestes últimos anos o AFI Life Achievement Award, BFI Fellowship, o Kennedy Center Honor, BAFTA, Nebula, HUGO. Entre outros.
E porque toda a unanimidade é burra, foi também nomeado e premiado pelo pior filme do ano, Spaceballs e a sua canção sobre a Inquisição recebeu o prémio da pior canção do ano em cinema.
E assim termino a História Universal de Mel Brooks, Parte I. Ele, pelo que vejo, continua em grande forma, a caminho dos 97 anos que completará em finais de junho de 2023, por isso não sei se conseguirei escrever a segunda parte deste artigo, mas estou certo de que alguém na Almanaque o fará.