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Da série personagens esquecidas de Portugal (1): Eduarda D’Orey e Abreu

Figura incontornável da pós-modernização portuguesa. Lisboeta de pouso, nascida no Ribatejo (Santarém, 1961) e em berço fidalgo, cedo arregaçou as mangas. Foi para Londres estudar arte de rua e de instalação com apenas dezoito anos.  Ungida desde cedo com preocupações sociais, recusou candidatar-se a bolsa ou sequer receber ordenado. Numa entrevista à revista K, conduzida por Rui Zink (1991), explicou: ”Com tantos desempregados e imigrantes, não creio ter o direito de roubar o pão a quem dele precisa(as citações em itálico serão doravante extraídas  desta entrevista).

A família, no negócio  do tomate e dos toiros de cobrição, enviava-lhe um envelope mensal apenas suficiente para a vida no pequeno apartamento de cinco assoalhadas em Chelsea.  

Abriu o seu primeiro ateliê na Madragoa, em 1985, inspirado nos trabalhos de Melo e Castro e na Trece de Nieve de Gonzalo Armero. Eduarda não escrevia poesia, mas acreditava na superação metavisual do objecto literário. Teve como colaboradora Rita Snowthorpe, que conheceu em Inglaterra, prima em segundo grau de Miguel Esteves Cardoso, outra figura incontornável desses tempos de inovação.  São anos de apaixonada experimentação, espiritual e sexual. Eduarda explica aos amigos que é urgente regressar à liberdade dos bonobos, que resolvem os conflitos através da actividade sexual livre de tabus. O ateliê de Eduarda, Passo/Compasso, teve honras de reportagem no jornal Independente, em 1992, ano em que infelizmente o projecto morreu. Eduarda sentia-se esgotada com aqueles seis anos de intensa divulgação das fronteiras porosas entre países da arte e da expressão. 

Seguiram-se anos de busca e encontro pessoal na área da metanóia, acabando por casar, em Sintra, em 1993, com Miguel Galvão y Hérvias, gestor de hotelaria  de luxo, com o qual  tem dois filhos. Divorcia-se em 1999 e inscreve-se no CDS-PP, para esquecer a perda da custódia das crianças (o tribunal considerou Eduarda emocionalmente incapaz de prover as necessidades básicas dos filhos). 

Conhece Paulo Portas entre dois folhados de camarão e dedica-se ao estudo do pensamento conservador de Burke, apaixonando-se pelos trabalhos de Gertrude Himmelfarb e Oakeshott. Talvez por isso, nessa altura regressa a Santarém e ajuda a família na condução das propriedades agrícolas. Inicia então uma nova fase de produção artística refundando o traje tradicional do campino e a interpretação do fandango. Recupera as notas que Richard Twiss escreveu sobre a dança tradicional ribatejana e publica em 2002 Levantando a Lezíria: subsídios para o resgate da tradição e do orgulho nacional.  

No final do primeiro decénio do século XXI, a política entra definitivamente na vida de Eduarda. Volta a casar, desta vez com Jacinto Leite Capelo Rego, eurodeputado eleito pelo CDS-PP, e entre Estrasburgo e Bruxelas envolve-se com várias organizações europeias de defesa da família cristã. 

Morre, em 2010, num trágico acidente numa tenta de vacas bravas. 

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