Os meus medos são todos sobrenaturais e exagerados. Uma alteração no núcleo magnético da Terra que nos leve a todos para o lado de Saturno. Uma invasão alienígena que faça parecer o Gulag um arquipélago de vacaciones. Acordar enterrado vivo. E reuniões.
O nome técnico vem do grego, simpósio, reunião. Simposiofobia. Chego a horas. Não tenho crianças, marido, mulher, cães, doenças, vivo ao lado do edifício da reunião. Talvez na cave. Todos os outros vêm de Madagáscar. Muitos aviões. Manhã cedo, uma mesa de tortura, uma dezena de pessoas com blocos de notas e vontade de falar. Começa logo aí. Antes sequer de se sentarem, entabulam trocas de novidades. Depois vem o café. Dez pessoas (nove contando com o meu silêncio) querem falar. Opinar. Discutir. Se calcularmos cinco minutos em duas rondas são 9x5x2: noventa minutos de conversa. Isto na versão macia, excluindo os powerpoints.
O pior está para chegar. Uma reunião, qualquer reunião, tem um objectivo. Engano, engano. A câmara de tortura é patrocinada por espadistas e ratoneiras de primeira água. Iludem-nos com a ideia do objectivo: aprovar não sei o quê, sanear fulana, planear o congresso xpto, etc. “Mentira!” como dizia a Joacine. Não existe nenhum objectivo excepto o de reunir. A reunião é para reunir.
Antes de obter a declaração médica a eximir-me desta prática, tive a minha dose de reuniões. Lembro-me de umas terríveis num serviço de prevenção e tratamento da toxicodependência. O perfume de um par de tias (na altura era novo) logo pelas nove e meia da manhã: ainda o tenho nas narinas a sambar. O pior nem era isso. Os técnicos deviam dar conta dos casos que acompanhavam: indivíduos dependentes de heroína. Não davam. Todos, excepto uma tia modesta, falavam para um interlocutor especial: Sigmund Freud. Era uma espécie de reuniões espíritas. Então desfilavam sequências carniceiras de babugem psicanalítica fazendo pausas dramáticas e aspirando o ar . O ar que me faltava. Quando as reuniões terminavam podiam pôr-me uma trela, levar-me ao parque e inscrever-me no Chega
Uns anos depois, com a patologia ainda por diagnosticar, fui submetido a novas torturas. É necessário explicar que nessa altura fui abandonado pela comunidade psiquiátrica e psicológica. Explicava os meus sintomas pré-reunião: escondia-me na dispensa da casa debaixo de um cobertor térmico, visitava a minha a sogra e pedia-lhe para me contar outra vez o conteúdo dos caixotes de louça que trouxe de Lourenço Marques em 75, cheguei a fazer telefonemas obscenos para as Àguas de Coimbra. Que era doido. Isso já eu sabia.
A gota de água foi uma armadilha que me montaram. Nomearam-me, a página tantas, director (ou presidente, não me lembro) de uma ONG dedicada à prevenção do VIH/SIDA. Não julguem que cai na armadilha por vaidade. Tenho-a em doses industriais e de um tipo muito peculiar e inconfessável, mas não foi por aí. Tive de aceitar porque fazia críticas, digamos vocais, à anterior direcção. Não bispei a moscambilha? Não. Como presidente tinha de estar nas reuniões. Todas. Foi nessa altura que a minha condição clínica se deteriorou de maneira acabrunhante. Tinha de fazer alguma coisa. Fiz o que sei fazer melhor: ser incompetente. Fui tão mau presidente que propuseram a minha exoneração ao cabo de meia dúzia de meses. Mandela não se sentiu mais feliz (aliás, não se sentiu nada feliz, coitado).
Um ano depois consegui a minha declaração psiquiátrica. Isenta-me de ser convocado e/ou permanecer em ciladas perpetradas por pessoas, ao ar livre ou à porta fechada, seja qual for o fim manifesto ou implícito. Mais tarde, embalado por esta vitória no prolongamento, tentei obter uma que me livrasse de baptizados e casamentos. Deparei com forte resistência familiar, a psicologia está muito atrasada. Hei-de lá chegar.