2023: dez canções para um ano de transição

2023. Que ano, 2023. Aconteceu muita coisa, não foi? A guerra no continente europeu continuou, sem grande resolução à vista. A situação no Médio Oriente voltou a piorar, e os preços das coisas em geral subiram um pouco por todo o lado, tanto quanto o número (e volume) de sotaques de inglês ouvido nos cafés de Lisboa, desde a Baixa até Benfica. Manifestámo-nos pela paz, pela resolução do problema na habitação, e pela liberdade. Só em janeiro perdemos para o outro lado Gianluca Vialli, Roberto Dinamite, Lisa Marie Presley, e Tom Verlaine (isto segundo a wikipedia). O governo de António Costa demitiu-se no fim do ano devido a suspeitas de corrupção, após oito anos no poder, quase tantos como os anos que levaram um académico, entre os muitos que este país injustamente produz, a entregar uma tese em direito da União Europeia. O Benfica ganhou o título, o país perdeu o rumo, o calor foi imenso, e as chuvas ainda mais; o Papa veio a Lisboa, e um jornalista de um canal que tem um programa chamado Polígrafo leu, em direto, um tweet cómico como se fosse uma notícia real. A Bitcoin chegou aos trinta e sete mil dólares e José Luís Carneiro anunciou a candidatura à liderança do Partido Socialista. A Revista Almanaque iniciou o seu segundo ano de circulação, e pode ser que tenha sido o último, ou então que tenha iniciado o seu merecido reinado enquanto “magazine” de ideias, temas, e palco para o talento único que é o Afonso Madeira Alves. A Rampa foi o melhor restaurante do ano, em Lisboa: não há discussão.

Em suma: 2023 foi um ano como os outros: cheio, complexo, contraditório e efémero, ocupando-nos enquanto durou, e deixando agora esse fardo para a próxima categoria numérica que se avizinha. Já sabemos como começa, e é à meia-noite; sabemos igualmente como acaba, com um copo na mão ou a olhar para o relógio. Ou as duas coisas, caso sejamos organizados.  

Em 2023 continuei com um hábito que vem desde 2012: montar listas de canções lançadas durante o ano. O método é, com ligeiros retoques, quase sempre o mesmo: ouvir um disco e, dependendo do que gostei, tirar uma, duas, três, ou todas as canções e colocá-las num pote (tudo digital, pese a linguagem) juntamente com outras. A partir de abril, maio, mas nunca depois de junho, começo a despejar o pote por cima da minha cabeça, banhando-me em toda a parte – estrada, ginásio, rua, quarto e escritório – com o conteúdo maravilhosamente caótico que colecionei, e que continuo a colecionar até ao mês de dezembro. 

Desde 2018 que acrescentei outra prática ao método, que é a de selecionar, entre as várias canções do pote, as melhores, ou seja: as que mais ficaram no meu ouvido. Não são as mais orelhudas, ou as mais bonitas, e sobretudo não são as mais evidentes. São as que conseguiram instalar-se no óvulo do meu ser, fecundando a minha existência com a sua presença (terrível metáfora, peço desculpa, culpem os editores que deixaram isto passar, viva o Benfica, Schmidt rua). Só ficam as malhas que conseguiram, por mérito próprio, habitar os meus dias, quando o silêncio impera e o momento (ou devo dizer: o sentimento) pede a sua intervenção, repentina, natural, profunda. É uma questão de balanço, ou de razão? Não, acho que é mesmo amor, puro, e imbatível. Mas se calhar estou a desconversar. Voltemos à lista.

A lista tem muitas canções ou poucas canções. Não há igualdade de número, nem de género, nem princípio da não-discriminação: é uma selva completamente injusta e arbitrária, puramente caprichosa. Porque, como dizem em Braga, as coisas são o que são, e o que é tem muita força (segundo me explicou o meu amigo Valter, uma pessoa incrível com quem tenho de voltar a estar, e a quem envio o maior dos abraços, caso alguma vez e por algum motivo absurdo venha a ler estas palavras). Agora, não consigo dizer que não há uma coerência, porque quando ouço todas as músicas (sempre, e isto é importante: ouço-as sempre baralhadas umas com as outras, em modo aleatório) percebo que estão, de uma forma muito estranha e inexplicável, mas ligeiramente percetível, em relação: comigo, seguramente, mas também entre si.

Normalmente, há um gosto que se identifica: rock n’roll norte-americano, algum folk, pop portuguesa, hip-hop com muita melodia. Sou um branco lisboeta de trinta e cinco anos, relativamente beto, e advogado, ainda para mais. Não me peçam para ser perfeito, que o que eu mais gosto é de ser exatamente o contrário: livre e solto, embora não leve (desculpem, Alex e Ben) porque cada um de nós tem um peso (ou, como dizia “a” Banda: um “weight”) para carregar, nosso e dos outros. Isto não é uma lista de crítico, porque não é o que eu sou, profissionalmente falando. Sou, na melhor das hipóteses (para mim), um cronista, e o que faço é falar do que vivo, do que penso, e do que sinto. Idiossincrático? Naturalmente. Divertido? Por vezes. E mais? Não digo.

Os editores desta revista pediram-me no início da nossa relação editorial que escrevesse sobre “produtos de mercado” (a expressão é fabulosa, e se esta revista sobreviver, será o título que darei às minhas contribuições, na senda dos “Trabalhos de casa” de Rogério Casanova, mas em muito pior). Acedi, escrevendo crónicas sobre discos e sobre concertos (na realidade: uma crónica sobre um concerto, e outra sobre um disco). Nada mais natural então do que prosseguir com um texto sobre as dez canções que me ocuparam mais os dias em 2023, que me encheram os silêncios, que me acompanharam na incomensurável tarefa que é saber o que sentir, o que dizer, o que fazer neste mundo maravilhoso e terrível em que habito, real e ficticiamente. 

Não há ordem, e nada aqui deve ser lido nas chamadas entrelinhas relativamente à ordem escolhida das canções, ou às canções em si, ou aos temas que as unem ou não (mas se quiserem ler, leiam à vontade, que até agradeço e acho graça a essas coisas). 

Começo pela que me vem logo à cabeça: “Quarry”, dos Wednesday, retirada do álbum “Rat Saw Good”, quinto registo do quinteto da Carolina do Norte. Quarry parece, melodicamente, uma lenga-lenga de escola, canção popular para se cantar no autocarro durante uma visita de estudo, a abanar a cabeça. O balanço que vem de um quarto tempo sem verso é suficientemente jovial e perfeito para dar espaço às distorcidas subidas de força no refrão. A voz anasalada de Karly Hartzman leva-nos pela mão: quantas vezes a andar na rua este ano não me senti a caminhar embalado no seu carrinho narrativo.

A letra descreve a vida da vizinhança (e da narradora e sua família) num bairro miserável (“Quarry” é um buraco grande de onde se extrai pedra) em que os vizinhos são velhos caquéticos, miúdos com escoliose, casais judaico-cristãos que fizeram bebés de penalty, e esconderijos de droga. No refrão – “We had to add it to the tab / To die we’d have to settle up / But we just go until we can’t / Or burn it down to feel the heat” – fica patente a resignação e o cansaço perante as tragédias que afetam o bairro. No tom de miúda de Hartzman a história ganha uma violência especial, engrandecendo a canção e o seu impacto.

A segunda canção da lista é Fada”, de Chico da Tina e Tripsy Hell. FranChico da concerTina lançou duas mixtapes este ano, “Eurotape” (com Tripsy Hell) e “Tina Dança Mixtape”. A segunda é absolutamente passável, enquanto a primeira é um exercício divertido naquilo que Tina faz bem: gozar, e com estilo. Não tenho muita paciência para aquele discurso do tipo que é tão mau que chega a tornar-se bom, ou que é uma piada que é tão bem-feita, com tanta dedicação e esforço, que deve ser admirada. Prefiro olhar para a matéria, para a técnica e para o som. Num dia bom, Chico da Tina é muito forte; veja-se a canção “Ronaldo”, por exemplo, ou “Deitei Tarde, Acordei Late”: registos incisivos cheios de decisão, espetáculo, e surpresa. Num dia mau, cai na displicência e soa vazio, demasiado gratuito, e sem ponta de graça.

“Fada” é a segunda canção do disco, seguindo-se à entrada vitoriosa de Eurofunk (“Quem é Eurogang grita: Viva à NATO / Glória à Ucrânia, viva ao espaço / Schengen, muita saúde pa’ aqueles que nos defendem / Muita miséria a todos os que não querem a livre circulação”). Aqui não há gozo no tom, nem na letra (um relato de ciúme, saudade e desejo, depois de uma separação), e muito menos na melodia: uma boa batida de clube, um bom teclado sintetizador, espacial e onírico, e a pedra de toque que é o auto-tune. A letra, com os versos a rimar em “i”, cortando na parte da massagem para depois passar para “ô/u”, e finalmente acabar em “á/a” levam a um viciante desenvolvimento melódico, e todo o conjunto (letra, produção e tom) é um chiclete saboroso. É uma canção de início de festa, para começar a acender as luzes. Se soubessem o quanto me acompanhou por bibliotecas londrinas durante o verão, ficavam passados. 

A terceira canção é Apology Letter”, dos Yo La Tengo. Os Yo La Tengo são a minha banda preferida, que está já naquela fase de fazer sempre o mesmo disco, ou seja: de fazer sempre um bom disco. O álbum deste ano, chamado “This Stupid World” (título muito adequado), é um exercício tremendo de qualidade na continuidade. “Apology Letter”, tal como o resto do disco, tem os ingredientes clássicos de uma canção YLT: guitarra reverberada, batida regular, baixo tenso, mas certeiro no ritmo. Está tudo muito perfeito, seguríssimo. É ver o vídeo da execução nas Bunker Sessions, onde o trio ternura do rock americano dá uma lição de sentimento para cima das “inimigas”, sejam elas quem forem. Hubley, McNew e Kaplan constroem com pouca coisa uma canção mesmo potente.

Na letra, uma pessoa desajeitada pede desculpa a outrem por uma falha que se mantém misteriosa até ao fim. Nessa dúvida de intimidade aparece uma figura vulnerável, pedindo calor e aconchego através do silêncio. “If I were to smile at you / Would you smile at me?” Para uma pessoa emocionalmente comida por dentro como eu, a canção bate tão próximo que o efeito chega a ser devastador. 

A quarta canção é Can’t”, de Anohni and the Johnsons. Que bom que é ouvir Anohni outra vez com a banda com que gravou o clássico “I Am a Bird Now”! A intensidade da sua interpretação é estonteante, e amplificada pelo despojamento cristalino dos arranjos e acompanhamentos – a guitarra, que parece estar calibrada para “jazz” suave, com os agudos muito precisos e crus, fica ótima nas canções. Todo o disco “My Back Was a Bridge for You to Cross” parece uma despedida, feita numa noite chuvosa e fria dentro de um bar quente e aconchegado, onde a fragilidade do coração humano se pode libertar por completo. 

“Can’t” é uma canção de raiva. Alguém morreu, e não se consegue suportar a perda. As pessoas à volta são “dentes podres”, e apesar de toda e melhor vontade não se consegue ultrapassar a morte. A canção vai crescendo até a um final em que se rejeita a resignação, declara-se a incompreensão e a insignificância da nossa capacidade, e os pratos da bateria quebram-se mais, e aquela voz, aquele timbre redondo de Anohi, único, uma das sete maravilhas deste planeta, grito que abana qualquer pessoa e que cativa os mais vulneráveis de peito, aquela voz que se lança contra todas as forças do mundo, triste e furioso, inconsolável e indignado, e incapaz, tão incapaz que a luta nos deixa no chão. Impressionante e belíssimo monumento. 

A quinta canção é “I’m Your Man”, de Mistki. Mitski faz sempre bons álbuns, com canções fabulosas, e este último – “The Land is Inospitable And so Are We” não é exceção. O facto de ser mais despido do ponto de vista instrumental torna-o menos imediato (sobretudo se comparado com os anteriores “Be the Cowboy” e “Laurel Hell”), mas cresce, revelando-se aos poucos o assustador portento que ali está. 

Em “I’m Your Man”, temos uma guitarra e voz, ambas determinadas, com uma percussão grave atrás, e uns raspões de guitarra que vão entrando, antes de no clímax final entrarem as vozes gregorianas, que soam mais a ecos do coros, e os latidos de cães, e os ruídos dos grilos. Parece o início de uma caçada, ou de uma fuga – quem canta será a presa, ou o caçador? – com a perseguição a iniciar-se com o fim da letra, um poema devastador sobre um criminoso, alguém que perante um amor tão dedicado o rejeita apenas com a violência do seu ser. “You’re an angel, I’m a dog / Or you’re a dog and I’m your man / You believe me like a god / I destroy you like I am”. Será a canção uma referência provocadora e desafiante – em tom, letra e narrativa – ao clássico de Leonard Cohen com o mesmo título, a canção do regresso, de sedução e de devoção total, de alguém que ama ou mente que ama por outrem? Não me admirava. 

A sexta canção é “Barbaric”, dos Blur. E sim, confesso que é extremamente bárbaro (ou então apenas ridículo) só me ter rendido ao quarteto de Albarn, Coxon, James e Ronwtree este ano, eu que tive os Oasis como banda preferida durante alguns anos do liceu (história verdadeira: se não fosse o “Is This It” a minha alma teria sido corrompida para sempre – ou então foi, e ainda bem). No entanto, e para minha desculpa, as circunstâncias tornaram-se as ideais este ano. Primeiro, o facto de vê-los ao vivo em Londres, em Wembley, a dar um espetáculo de clássicos para uma plateia caseira, que cantava cada canção como se as conhecesse desde o berço. Segundo, o facto de ter estado em Londres por três semanas, seduzido com aquele canto britânico de cosmopolitismo exagerado, vivendo um exílio existencial com o início do meu pós-tese. Por fim, o grande álbum que é “The Ballad of Darren”, um onde se sente a leveza de quem se quer divertir, mas bem. 

A canção escolhida é pop inglesa no seu melhor. Os riffs de Coxon encaixam que nem ginjas nos baixos de James, nos versos de Albarn, nos coros de apoio, e é tudo tão – desculpem-me o inglesismo, mas não encontro outra palavra – “catchy” que dói. “We have lost / the feeling that we thought we never lose / where are we going” (o “darling” que aparece volta e meia no refrão é delicioso). Quantas vezes não fui para a faculdade dar aulas às oito da manhã com este som nos ouvidos? Quantas vezes não me vi como o personagem da canção, envolto numa bonomia festiva enquanto cantava sobre o desespero que é uma transição existencial? Quantas, quantas? Não o suficiente, digo-vos. 

Sétima canção – ainda estão aí? Então subam o volume. “I LIKED U BETTER”, de Jeff Rosenstock é, como tudo o que Jeff Rosenstock faz, para se ouvir muito alto. Punk com toques de ska, riffs rasgados e cheios de fuzz, bateria bem forte (tenho pena das tarolas desta malta) e uma fúria juvenil que quer partir a loiça toda, em diversão ou em raiva. A única diferença de “HELLMODE”, registo deste ano, para os anteriores discos é precisão: na mensagem, nos arranjos, na força. 

Não tenho muito mais a dizer: “I LIKED U BETTER” é música de festival de verão, para saltar para um simpático mosh pit e levantar os braços a cantar o refrão, qual hino de insatisfação. Bom punk para saltar e gritar, como se gosta.

De punk para… “Ex-punk”, dos Veenho. Se alguma vez se lembrarem de mim pelo que escrevi na Almanaque, então espero que seja pela crítica que fiz ao “Lofizera”, terceiro disco da banda lisboeta, e o melhor álbum do ano (na realidade, gostava que se lembrassem de mim mais pelo primeiro texto, sobre o concerto dos Big Thief no Lisboa ao Vivo, quando o meio do ano se aproximava). Todas as canções são curtas, todas as canções são boas, todas as canções têm um poder e um estilo muito bem gizado, tocado e sentido, ou como escrevi na data: “um disco muito bonito, forte, e lisboeta, daquela lisboa que é viva e não apenas postal, que é jovem mesmo estando presa porque, enfim, a vida, e que se solta como pode, sem nunca abdicar do balanço, da presença, e do estilo”.

Dentro das várias canções, escolhi “ex-punk” porque é a mais imediata: entrada com tudo, vozes e instrumentos, letra sobre crescer e confrontar-nos com o que fomos, pausas bem metidas, solo de guitarra épico, e uma ponte final muito engraçada, um repouso de assobio com baixo e bateria e agudos, muitos agudos, antes de acelerar novamente e rápido para a catarse. Uma pequena joia, com muito coração. 

Nona canção: Nourished by Time, com “Shed that Fear”. O disco com o melhor nome de sempre, e é um número dois – “Erotic Probiotic 2” – tem teclados tão deliciosos, usados juntamente com baterias pré-programadas e cheias de eco para fazer de cama às interpretações livres e divertidas de um crooner que faz érre-éne-bê moderno, sem merdas nem medos. Tem uma aura de produção caseira que lhe dá aquele ar de tesouro precioso que apetece guardar bem na sala, antes de ligar os beats e começar a dar festa da boa. 

“Shed that Fear” faz-me pensar em Arthur Russell logo no teclado de entrada, nos pratos eletrónicos da caixa de ritmos, e na voz cheia de eco (e especialmente no falsete transformado do último verso). Pop industrial com tons soul e gospel, efeitos vocais bem colocados, e muito coro e produção de festa, para cantar sobre o medo da morte. Bocados de vídeo de infância aparecem no fim, e o refrão soa bem a épico. Foi a canção para dançar sozinho no quarto, para aquecer o pré-jantar, para ligar o fusível antes de ir produzir, a partir dos pequenos pedaços de realidade do dia, alguma espécie de oração super poderosa para cumprir com os deveres do mundo. Ou algo do género. 

Por fim, a décima canção, que fecha este artigo (e esta experiência de cronista mercantil?): “Vida Vã”, dos Glockenwise. Toda a crítica é vã, é um facto, mas esta canção é das coisas mais bonitas que ouvi feitas em português, parte de um disco extraordinário chamado “Gótico Português”. Gostei tanto da canção que a coloquei num romance que ando a escrever, numa cena em que a personagem está num bar manhoso que fica numa cave da Rua de Angola, no dia do funeral dos pais, a beber um negroni, e ouve a música a tocar nas colunas, sentindo que estava tudo justo, naquele espaço, naquele tempo. Saiu qualquer coisa assim:

Fechei os olhos. A música que tocava era boa, suave, mas assertiva: a bateria bem presente, o baixo muito apoiado, e as guitarras com uma ligeira distorção, agudas, e reverberadas. O balanço era incrível, parecia que estava num carro a conduzir por uma estrada rodeada de árvores altas, numa noite de lua cheia, no interior deste país inacreditável que é o meu. Vem uma quebra depois do refrão, muito espacial e onírica, e o verso – “Tudo a girar / cabeça a arder / queria ser uma coisa discreta / ao tropeçar na minha direção” – cai perfeitamente no meio de todo este aparato sónico.

2023 foi um ano aparatoso, de festas, misérias, e um muito especial ar de transição – transe, trânsito, qualquer coisa em movimento, em revelação. Foi também o ano em que escrevi na Almanaque sobre produtos de mercado. Se voltar, é como dizia o primeiro imediato naquele filme de piratas com o Gregory Peck em que o Anthony Quinn faz de pirata português (e é um vilão, como qualquer bom pirata). Se nos voltarmos a ver, até já; se não, esta despedida foi suficiente. Bom ano, e boas escutas (e até já?).

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