


Leitura ilustrada do livro Lolita, de Vladimir Nabokov, 1955.
O mito de Lolita eu conhecia desde miúda; não sei com que idade, tinha visto o filme de Stanley Kubrick, de 1962, com o mesmo nome. A memória que guardo é da sensação de desconforto.
Anos mais tarde, em 1997, estava eu já de saída da universidade, surgiu uma nova versão cinematográfica a que desisti de assistir na íntegra após o visionamento do trailer: pareceu-me uma versão pop-teledisco a explorar a ideia romantizada da ninfeta, universalmente disseminada e vulgarizada como estímulo erótico e que a mim, pessoalmente, não me dizia nada. Mas o livro que lhes dera origem, nunca tinha lido e assim continuei durante muitos anos, cheia de ideias pré-concebidas, marcadas pela forte impressão que os filmes causaram no imaginário colectivo e pela disseminação da interpretação dos mesmos por toda a gente que nunca lera a obra de Nabokov (e que me atrevo a dizer que será a grande maioria das pessoas que opinam acerca dela).
Desde logo, há uma grande diferença entre a personagem que Nabokov escreveu e criou e aquela que foi retratada nos filmes: Lolita não era sequer uma adolescente curvilínea e lasciva (e sobre essa disparidade o próprio Nabokov protestou e eu agora, por mais que me esforce, não consigo encontrar o vídeo que o demonstra, que vi há uns anos, já depois de ler o livro); Dolores Haze era uma menina no início da puberdade.
“Now I wish to introduce the following idea. Between the age limits of nine and fourteen there occur maidens who, to certain bewitched travelers, twice or many times older than they, reveal their true nature which is not human, but nymphic (that is, demoniac); and these chosen creatures I propose to designate as “nymphets.“”

Humbert Humbert era um pedófilo. E esse foi o meu maior choque, a minha maior surpresa, quando peguei no livro em 2018 e o comecei a ler. Humbert Humbert era um pedófilo, com plena consciência de tudo, e aquela era uma história narrada por ele, através do seu ponto de vista.
A partir daqui, o mito de Lolita, tal como é conhecido pela maioria, desmoronou-se e não posso senão aconselhar a leitura do livro para que cada um usufrua da obra e tire as suas próprias conclusões.



(No topo da página, como imagem de destaque: Lolita II, estudo sobre Lolita, ilustração digital de Lia Ferreira, 2022.)