Uma discussão interessante é feita por Cícero no Tratado do Destino (IX,17). Convida Diodoro, Epicuro e Crísipo: Tudo o que acontece teve de acontecer. As proposições sobre o futuro são tão verdadeiras como as sobre o passado ainda que nestas a impossibilidade de as modificar seja aparente. Já sobre o futuro essa aparência não é tão evidente.
Isto é um dos eixos do estoicismo. Tudo o que aconteceu teve de acontecer representa o aceitar da vida no que ela configura de luto pela nossa omnipotência. A nota sobre a diferença entre o passado e o futuro é deliciosa. Aparentemente podemos modificar a representação do nosso passado (a culpa foi de X, não mereci Y, Z afinal foi bom). Já quanto ao futuro a tendência para o reeducar é outro osso.
Muita da angústia que por aí grassa advém desta continuidade da falsificação. Como reorganizamos o passado de acordo com as conveniências do presente, imaginamos que o futuro pode ser igualmente arquitectado. Uma leve suspeita, porém, nos incomoda. Se renegamos o passado para melhor o poder suportar, tememos que as proposições que enunciamos sobre o futuro (ambições, desejos, grandes sucessos) também não sejam uma maravilha de solidez.
Não é de admirar a angústia permanente, o reexaminar sucessivo e gaguejante do caminho que nos aguarda. E isto tudo enquanto desperdiçamos vida.
Isto vai ser o cabo dos trabalhos. Uns vão dizer que Petrarca falava bem porque vivia com fidalgos indolentes e de barriga cheia. Outros atribuirão a este vosso escriba o estatuto de teórico. A primeira temos de a levar com um grão de sal, a segunda tomara que fosse verdade.
Petrarca considerava que a dor, física ou emocional, só se tornava impossível de suportar devido à fraqueza da alma. A virtude: suportar a dor nunca se alcança por sorte, mas pela persistência. Ao contrário dos epicuristas. Petrarca pretende apenas combater a dor, diminuí-la, não torná-la agradável. Socorre-se muitas vezes de exemplos de homens (e deuses…) que o conseguiram para estabelecer como universal e ao alcance de qualquer um conseguir vencer algumas batalhas. É aqui que entramos na arena.
Quando tenho alguém em sofrimento a quem conto histórias de doentes que padecem de males piores ouço o habitual “Com o mal dos outros posso eu bem”. Se der exemplos de pessoas que suportaram a dor, o que ouço é o que a Dor diz à Razão no manual de Petrarca: “Não somos todos iguais”. Verdade. Não somos todos iguais, não existe socialismo da resistência ao contrário do que pensava o toscano.
Ao longo destes trinta anos poucas pistas consegui reunir, mas existe um matagal que me fornece rasto fresco: a velhice. Ela traz muita dor de todas as cores e feitios e os que melhor vejo resistir são os que aceitam a decadência. Parece estranho? Nem tanto. Gostam de viver e por isso compreendem que há um preço a pagar. Lá entendem que o balanço final enquanto estiverem vivos lhes é favorável. É uma arte de domínio dificílimo, só ao alcance dos que sabem que a vida é uma longa história de sofrimento.
