Literatura

Novas do paraíso
Literatura
Álvaro Domingues

Novas do paraíso

Besta de carga é o que mais ouço. Nota-se nesta curvatura do corpo, agora que me vejo caminhando descompassado e um tanto incerto. Já quase me esquecera do tempo ruim que trago inscrito em quase tudo que ainda penso; por isso estas costelas salientes, o pêlo que perdeu o brilho e a cabeça quase sempre baixa. Enfim. De pouco valem lamentações que ninguém ouve e o mundo muda mais rapidamente que o rodopio diário do

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Weimar # 10
Literatura
José Gardeazabal

Weimar # 10

RITUAL – ESFERA – RABOS – UM POR CENTO – BOA NOVA   RITUAL A verdade, em democracia, incluirá um ritual, um reality show, dos verdadeiros, claro. Governante que tenha o azar de ser criticado duas semanas seguidas irá à televisão vestido de roupa importada, mas sustentável. No primeiro dia, jurará que nada sabia. No segundo, dirá que não se lembrava de que sabia, e no terceiro dia será demitido e pedirá desculpa na televisão,

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Simpatia Inacabada #7
Cinema e Audiovisual
Alda Rodrigues

Simpatia Inacabada #7

Patricia Highsmith Na secção literária do The New York Times, procuro sempre a rubrica “By the Book”, um inquérito sobre leituras de escritores ou pessoas ligadas aos livros. Leio em busca de histórias engraçadas ou referências a autores interessantes que ainda não conheça, mas, entre as perguntas recorrentes, há uma que me dá sempre que pensar: “Um grande livro pode estar mal escrito? Que outros critérios são mais importantes?” Proust escreve bem? Se calhar, a

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Pequenas doses de literatura
Literatura
Joana Sá

Pequenas doses de literatura

Dificilmente se sente mais a falta de tempo para ler do que em Maio, quando começa a Feira do Livro de Lisboa (e me lembro que na altura em que frequentava a Feira do Livro do Porto, a dificuldade era conseguir fazer as compras durarem mais de um mês…). Mas, na verdade, não é necessariamente uma questão de falta de tempo –- é mais uma questão de falta de tempo garantido, ou seja, de tempo

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Pim, pam, pum
Literatura
Filipa Melo

Pim, pam, pum

Ao Afonso Praça e ao Fernando Assis Pacheco  Quando se mata, morre-se? Não. Renasce-se. Porque, na verdade, não fui eu quem morreu  há pouco, quando senti o primeiro coice a atingir-me no ombro. O dedo não parou de dar ao  gatilho, duas, três, mais vezes. Os olhos não pararam de ver enquanto os corpos se erguiam  ou tombavam por entre a névoa. Os ouvidos não pararam de ouvir.  Já tinha escurecido e estava a ficar

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Asininoceno
Literatura
Álvaro Domingues

Asininoceno

– Dizem que o Antropoceno, a idade geológica em que vivemos, é uma engrenagem do tamanho do mundo que funciona ao ritmo do mais desenfreado capitalismo, o mais irresponsável e autodestrutivo, o mais rapina. – Vives nesse terror, primo. Esse Antropoceno é pior que moscas nojentas a entrarem-nos pelos olhos…, mas eu tinha uma vaga ideia de que isso das idades geológicas era apenas assunto de estratigrafia, geologia, vulcões, climatologia e parque jurássico. Pelos vistos

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Os três deslizes de Gelsomina Guelgerógio, Infeliz mãe dos irmãos Caramassófe
Literatura
Afonso de Melo

Os três deslizes de Gelsomina Guelgerógio, Infeliz mãe dos irmãos Caramassófe

1. Gelsomina Duelgerógio, do lugar de Vale de Égua, freguesia do Préstimo, deu à luz dez filhos em duas séries de cinco. Isto é: Gelsomina Duelgerógio pariu cinco gémeos em Outubro de 1973 e outros tantos em Janeiro do ano seguinte.Pode parecer estranho que uma mulher conceba assim gémeos em tão grandes quantidades num tão curto espaço de tempo. Pode parecer e, se calhar, é mesmo.Mas tudo tem explicação. Mesmo em Vale de Égua, freguesia

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Da série personagens do meu país (3) : Joaquim de Carvalho
Literatura
Filipe Nunes Vicente

Da série personagens do meu país (3) : Joaquim de Carvalho

Nome incontornável da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, não recebeu o reconhecimento merecido por motivos insondáveis. Relacionou-se com grandes poetas e escritores da sua geração e parecia lançado para o panteão da memória literária nacional, mas a sua obra é hoje  encontrada apenas em  alguns  alfarrabistas de província.  Joaquim Jesus de Carvalho nasceu em Seixas, Caminha, em 1945, numa família de comerciantes abastados. O pai e o avô compravam vinho verde e

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«Humoristas de sucesso? São os gurus de um novo e necessário culto.»
Artes Performativas
André Canhoto Costa

«Humoristas de sucesso? São os gurus de um novo e necessário culto.»

Entrevistámos Pedro Reis Sabido, investigador do Ralston College, especialista em Estudos Portugueses e Brasileiros e Literatura Africana Lusófona, a propósito dos limites do humor e outras questões de linguagem. Falámos sobre os bobos de Shakespeare, os Beatles, o império da família Balsemão (adeus empregos na IMPRESA), gladiadores, gurus espirituais, e ainda, como não podia deixar de ser, o ChatGPT.             A polémica sobre os problemas da linguagem e os limites do humor não parece abrandar,

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O luxo da conversa inteligente
Cinema e Audiovisual
Ana Isabel Soares

O luxo da conversa inteligente

18 de janeiro de 2007 foi uma quinta-feira. Foi um dos primeiros dias que passei na Universidade de Stanford e a data em que vi pela primeira vez Robert Pogue Harrison. Ouvira falar dele na véspera, quando tudo me era novidade. Os outros professores contavam-me que ele estivera internado, com um grave problema de coração – vim a saber mais tarde que estivera em paragem cardíaca, que roçara a morte e se salvara por um

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Novas do paraíso

Novas do paraíso

Besta de carga é o que mais ouço. Nota-se nesta curvatura do corpo, agora que me vejo caminhando descompassado e um tanto incerto. Já quase me esquecera do tempo ruim que trago inscrito em quase tudo que ainda penso; por isso estas costelas salientes, o pêlo que perdeu o brilho

Weimar # 10

Weimar # 10

RITUAL – ESFERA – RABOS – UM POR CENTO – BOA NOVA   RITUAL A verdade, em democracia, incluirá um ritual, um reality show, dos verdadeiros, claro. Governante que tenha o azar de ser criticado duas semanas seguidas irá à televisão vestido de roupa importada, mas sustentável. No primeiro dia,

Simpatia Inacabada #7

Simpatia Inacabada #7

Patricia Highsmith Na secção literária do The New York Times, procuro sempre a rubrica “By the Book”, um inquérito sobre leituras de escritores ou pessoas ligadas aos livros. Leio em busca de histórias engraçadas ou referências a autores interessantes que ainda não conheça, mas, entre as perguntas recorrentes, há uma

Pequenas doses de literatura

Pequenas doses de literatura

Dificilmente se sente mais a falta de tempo para ler do que em Maio, quando começa a Feira do Livro de Lisboa (e me lembro que na altura em que frequentava a Feira do Livro do Porto, a dificuldade era conseguir fazer as compras durarem mais de um mês…). Mas,

Pim, pam, pum

Pim, pam, pum

Ao Afonso Praça e ao Fernando Assis Pacheco  Quando se mata, morre-se? Não. Renasce-se. Porque, na verdade, não fui eu quem morreu  há pouco, quando senti o primeiro coice a atingir-me no ombro. O dedo não parou de dar ao  gatilho, duas, três, mais vezes. Os olhos não pararam de

Asininoceno

Asininoceno

– Dizem que o Antropoceno, a idade geológica em que vivemos, é uma engrenagem do tamanho do mundo que funciona ao ritmo do mais desenfreado capitalismo, o mais irresponsável e autodestrutivo, o mais rapina. – Vives nesse terror, primo. Esse Antropoceno é pior que moscas nojentas a entrarem-nos pelos olhos…,

Da série personagens do meu país (3) : Joaquim de Carvalho

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Nome incontornável da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, não recebeu o reconhecimento merecido por motivos insondáveis. Relacionou-se com grandes poetas e escritores da sua geração e parecia lançado para o panteão da memória literária nacional, mas a sua obra é hoje  encontrada apenas em  alguns  alfarrabistas de

«Humoristas de sucesso? São os gurus de um novo e necessário culto.»

«Humoristas de sucesso? São os gurus de um novo e necessário culto.»

Entrevistámos Pedro Reis Sabido, investigador do Ralston College, especialista em Estudos Portugueses e Brasileiros e Literatura Africana Lusófona, a propósito dos limites do humor e outras questões de linguagem. Falámos sobre os bobos de Shakespeare, os Beatles, o império da família Balsemão (adeus empregos na IMPRESA), gladiadores, gurus espirituais, e

O luxo da conversa inteligente

O luxo da conversa inteligente

18 de janeiro de 2007 foi uma quinta-feira. Foi um dos primeiros dias que passei na Universidade de Stanford e a data em que vi pela primeira vez Robert Pogue Harrison. Ouvira falar dele na véspera, quando tudo me era novidade. Os outros professores contavam-me que ele estivera internado, com